Numa das saborosas crônicas de seu pequeno livro de dicas gastronômicas – “Só os patetas jantam mal na Disney” – o publicitário e corintiano Washington Olivetto pergunta, no primeiro parágrafo:
“Você já assistiu a um jogo de basquete acompanhado por Michael Jordan e Magic Johnson? Já viu um capítulo da novela das nove sentado ao lado de Tony Ramos e Fernanda Montenegro? Já visitou um clássico da arquitetura guiado por Renzo Piano e Paulo Mendes da Rocha? Não?”
E arremata, antes de narrar uma de suas deliciosas descobertas gastronômicas: “Eu também não.”
Como Olivetto (e muito longe de qualquer comparação), também não fiz nada disso.
Mas já viajei com Grace Kelly. A dama do cinema. A musa de Hitchcock. A princesa de Mônaco. A Cinderela de Rainier III – Rainier Louis Henri Maxence Bertrand Grimaldi. Mãe do atual príncipe Albert II e de Caroline e Stéphanie.
Não ao lado dela, que estava na primeira classe, mas num assento da econômica, num voo da já extinta Swissair entre Genebra e Paris.
EX-CURSÃO DOS DUROS
Corte para 1969.
O pacote de viagem tinha um nome esquisito: “Ex-cursão dos duros”, idealizado por uma empresa chamada Transinter Passagens e Turismo, de São Paulo, representada em Curitiba por Jorge Barbosa Elias, ainda hoje atuando no turismo. Saída em dezembro, logo depois do Natal. O roteiro: Casablanca, no Marrocos, Lisboa, Madri, Roma, Londres e Paris. Quase um mês de duração.
Todos os trechos entre os países de avião. Roteiros praticamente livres em cada cidade. Hotéis razoáveis. Passagens e hospedagem incluídas no preço – pago em 10 prestações. Primeira escala: Dacar, no Senegal, pois ainda não havia voo direto, pelas asas da Air France, decolando do aeroporto de Viracopos, em Campinas.
Para viajar, na época, era necessário apresentar atestado de folha corrida do Instituto de Identificação/Serviço de Identificação Criminal, com o “nada consta que desabone a conduta do requerente” e certidão negativa do Imposto de Renda para “visar passaporte”.
O grupo era formado, na maioria, por paulistas. De Curitiba, poucos. Entre eles, o jornalista Gilberto Grassi, meu colega de redação do jornal O Estado do Paraná, já falecido, o livreiro Aramis Chaim e eu.
ÁFRICA E EUROPA
Em Casablanca, a capital financeira do Marrocos (a política é Rabat), lembro bem, ficamos num hotel chamado La Résidence (route d’El Jadida), base do nosso primeiro contato com os mistérios e as atrações da cultura e da arquitetura árabes do norte da África. Em Lisboa, o fado, o Mosteiro dos Jerônimos, o Rossio, a boa comida (bacalhau na Adega do Machado) e a simpatia dos portugueses.
Madri, em tempos da ditadura do general Francisco Franco, uma cidade alegre, apesar de tudo. Nos arredores, a monumental Abadia del Santa Cruz del Vale de los Caídos, memorial de exaltação ao franquismo, lembrando tempos de triste memória, “construído por expreso deseo de S. E. el Jefe del Estado y Generalíssimo de los Ejércitos, Don Francisco Franco Bahamonde”. E uma incursão a Toledo, cidade histórica, onde, numa taverna típica, mas com mesas de fórmica azul, o aparelho de som tocava Roberto Carlos.
Em Roma, greve geral dos transportes, hospedagem no hotel Pineta Sacchetti, não muito distante da Cidade do Vaticano, onde assistimos missa celebrada pelo Papa – que era Paulo VI, cardeal Giovanni Battista Montini. Passeios às catacumbas, a Nápoles, Pompéia e Florença.
Em Londres, a surpresa do mundo subterrâneo nos vários pisos do metrô e a cidade sempre envolta no famoso “fog”, um nevoeiro quase permanente. A troca da guarda no Palácio de Buckingham, o Big Ben, Piccadilly Circus. Aqui, o encontro casual, numa loja de discos, com Caetano Velloso e Gilberto Gil, exilados brasileiros no tempo do regime militar (Gil, conversador, querendo saber do Brasil; Caetano, arredio, distante, assustado). E uma noite no The Royal Festival Hall, com a apresentação de Carmina Burana, cantata cênica do compositor alemão Carl Orff, com a New Philharmonia Orchestra.
Então veio Paris, a primeira visão da Torre Eiffel, do Arco do Triunfo, da Notre Dame, de Montmartre, e um show no Lido, entre tantas outras indicações dos manuais turísticos. Depois, uma subida aos gelados picos de Chamonix, famosa estação de esqui dos Alpes franceses.
FRANKFURT E GENEBRA
Fim do roteiro oficial. Mas fomos informados que poderíamos ir adiante, porque ainda havia milhas sobrando na passagem. E fomos, Gilberto Grassi, Aramis Chaim e eu – e mais um companheiro de São Paulo, chamado Ernesto, que tinha uma loja de queima de cerâmica para artistas plásticos. Primeiro a Frankfurt, Alemanha, já munidos de uma carteira dos Albergues da Juventude (ficamos em um apenas a primeira noite; era muito ruim. No segundo dia, passamos para o hotel Regina, de um alemão que havia morado em São Paulo). Depois, a Genebra, Suíça. Duas escolhas meio no palpite. Hospedagem no Hôtel de l’Ours (confort, prix modérés). A cidade ainda refúgio das contas secretas dos endinheirados.
Últimos dias de janeiro de 1970. Hora de voltar. Embarque no avião da Swissair com destino ao aeroporto de Orly, Paris. Estávamos na classe econômica, naturalmente, e para chegar aos nossos assentos era preciso passar pela primeira classe. E quem estava ali, elegante, discreta, o cabelo arrematado por um coque? Sua Alteza Real, a princesa de Mônaco, Grace Kelly Grimaldi. Apenas ela, nas poltronas do lado direito, as da esquerda ocupadas pelos seguranças. Ao pousar em Orly, foi a primeira a descer do avião. Um Rolls Royce a aguardava na pista.
A PRINCESA DE HOLLYWOOD
Grace Patricia Kelly, nascida na Filadélfia, Pensilvânia, nos Estados Unidos, em 12/11/1929, havia casado em 19/4/1956 com o príncipe Rainier III, na catedral de St. Nicolas, em Mônaco. Estrela famosa do cinema, havia interpretado personagens marcantes em filmes como Matar ou Morrer, com Gary Cooper; Mogambo, com Clark Gable e Ava Gardner; Ladrão de Casaca, com Cary Grant; Janela Indiscreta, com James Stuart; Disque M para Matar, com Ray Milland (estes três dirigidos por Alfred Hitchcock, de quem era a queridinha); As pontes de Toko-Ri, com William Holden; e Alta Sociedade, seu último trabalho antes de casar, ao lado de Bing Crosby e Frank Sinatra. Grace Kelly namorou vários parceiros das telas.
Seu romance com o príncipe Rainier III começou em 1955. Grace o conheceu quando foi convidada pelo governo francês a participar do Festival de Cinema de Cannes. No livro “Grace Kelly – A vida da princesa de Hollywood”, o escritor Donald Spoto revela que, devido a compromissos, ela quase não aceitou ir a Mônaco. “Não entendo porque é tão importante conhecer o príncipe”, teria dito. Rainier, que era solteiro, havia rompido um romance de seis anos com a atriz francesa Gisellle Pascal.
Grace Patricia Kelly Grimaldi morreu aos 52 anos, em acidente de carro, em 14/9/1982, portanto há exatos 35 anos, ironicamente na mesma rodovia em que aparece no filme Ladrão de Casaca, em Villefranche sur Mer, na Côte d’Azur, vizinha de Monte Carlo/Mônaco. Estava em companhia da filha Stéphanie, então com 17 anos. Especulou-se, na época, que era Stéphanie quem dirigia; falou-se, até, em atentado da máfia. Mais tarde, chegou-se à conclusão que Grace havia sofrido uma espécie de derrame cerebral que a fez perder a direção, caindo de um penhasco de 40 metros de altura. Morreu no hospital.
No local, foi implantado o Boulevard Princesse Grace de Monaco, uma espécie de memorial. Estive lá em 1991 e o fotografei.