
A primeira aluna matriculada no curso de Engenharia Civil no Paraná foi Ruth Dória de Oliveira, em 1931, como conta o professor Ildefonso Clemente Puppi, ex-diretor da Faculdade de Engenharia, à página 122 de seu livro “Fatos e Reminiscências da Faculdade”, editado em 1986. Ruth obteve a segunda melhor média global entre os 32 candidatos nos exames vestibulares, cumpriu os dois primeiros anos de Engenharia, mas desistiu antes de matricular-se no terceiro.
“Passaram-se quase dez anos para que surgisse a segunda aluna, que foi a primeira a diplomar-se, em 1945, Enedina Alves Marques”, revela ele no capítulo “Ex-alunas e professoras”. De acordo com o professor Puppi, “eram raras nos primeiros tempos das Faculdades as jovens que buscavam um diploma de nível universitário. Muito menos ainda as que nutriam aspirações de fazer carreira em um campo qualquer da Engenharia”.
Antes de Enedina, a Faculdade já havia diplomado 296 engenheiros. Em sua turma, era a única mulher, ao lado de 32 homens. A segunda a se formar na profissão foi Francisca Maria Garfunkel, filha de dois expoentes franceses residentes em Curitiba – Paul Garfunkel, artista plástico de renome, e Madame Helène Garfunkel, diretora da Aliança Francesa, que abriu as portas a bolsas de estudos na França a uma série de engenheiros e arquitetos que teriam papel importante no planejamento de Curitiba.
Francisca, ou Fanchette para a família e os amigos, casou-se com o engenheiro Karlos Rischbieter, um catarinense de Blumenau, formado pela UFPR, que presidiu o Banco do Brasil e foi Ministro da Fazenda do governo João Figueiredo. Cumpriu carreira na Prefeitura de Curitiba, notadamente no Departamento de Urbanismo e foi uma das fundadoras do Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba). Teve papel importante no planejamento da cidade a partir da criação do Plano Diretor de Urbanismo, em 1966. Morreu de câncer em 27 de agosto de 1989, aos 60 anos. Dois anos depois, o recém-inaugurado Jardim Botânico foi denominado de Francisca Maria Garfunkel Rischbieter.
A engenheira Fanchette sempre foi uma rigorosa e intransigente defensora dos princípios básicos das posturas urbanas, bastante crítica, “mas sempre pensando no futuro da cidade – e dedicadíssima ao planejamento, ao lado de outra engenheira da maior competência, Dúlcia Auríquio”, como conta o jornalista Aramis Millarch (12/7/1943 – 13/7/1992), um destacado cronista do cotidiano, em sua coluna Tablóide, na edição de 5/10/1980 do jornal O Estado do Paraná.
Dúlcia Auríquio foi a terceira engenheira civil formada no Paraná. Hoje aposentada, também participou da criação do Ippuc e foi diretora geral do Departamento de Urbanismo, cargo equivalente, na atualidade, a secretário municipal.
Biruta, a primeira agrônoma
Se Enedina Alves Marques entrou para a História como a primeira engenheira civil do Paraná, e também a primeira negra na profissão, a primeira engenheira agrônoma foi Biruta Dergint Rawicz, diplomada pela Escola Agronômica do Paraná em 17 de novembro de 1936, em sessão solene realizada no salão nobre da Universidade, na praça Santos Andrade, conduzida pelo diretor da instituição, professor Raul Gomes Pereira.
Nascida em 1º de agosto de 1898, na cidade de Mias, na Polônia, filha de Francisco e de Helena Dergint Rawicz, Biruta recebeu o diploma ao lado de seus seis colegas de turma: Astrogildo de Freitas, Ayrton da Costa Pinto, Herculano de Souza Paula, Rivadávia de Lara, Rubens Benetti e Sandoval Ribeiro Ribas. O paraninfo dos formandos foi o professor João Cândido Filho.
Enedina, pioneira e ousada
Enedina Alves Marques nasceu em Curitiba em 5 de janeiro de 1913, filha de Paulo e Virgília Alves Marques. De infância pobre, os dias se tornaram mais difíceis com a separação dos pais e a dispersão dos cinco irmãos mais velhos. Na adolescência, trabalhou como babá e, a duras penas, concluiu a Escola Normal secundária em 1931. Deu aulas em escolas de São Mateus do Sul, Cerro Azul, Rio Negro e Curitiba. Fez o curso de madureza no Colégio Novo Ateneu e um preparatório ao vestibular. Madureza era um curso de duração reduzida, um a três anos, mas intensivo, destinado àqueles que não haviam tido a oportunidade de frequentar normalmente o ginásio ou o científico (hoje ensino fundamental)
Em 1945, aos 32 anos de idade, formou-se engenheira civil pela Faculdade de Engenharia do Paraná. Começou a trabalhar na profissão na Secretaria de Viação e Obras Públicas do Paraná como fiscal de obras, tendo depois ocupado diversas chefias. Foi chefe do serviço de engenharia da Secretaria de Educação e Cultura e atuou no levantamento topográfico da Usina Hidrelétrica Capivari-Cachoeira (atual Governador Pedro Viriato Parigot de Souza).
Em artigo para a Revista do Crea-PR, a historiadora Pura Domingues Bandeira e a professora Iara Macedo, da UFPR, destacam que, “de calças e botas – e eventualmente revólver na cintura, dependendo do lugar -, estilo nada comum para as mulheres da época (…) comandou setores importantes no Estado como engenheira fiscal e chefe de áreas como Hidráulica, Estatística e Engenharia. Ela deixou sua contribuição no levantamento de rios e construção de pontes”. Depois de se aposentar no serviço público, trabalhou em empresa de construção civil.
Enedina Marques também participou ativamente de entidades como Instituto de Engenharia do Paraná, União Cívica Feminina, Centro Paranaense Feminino de Cultura e Clube Soroptimista. Morreu em 20 de agosto de 1981, aos 68 anos, de infarto. Em Curitiba, foi homenageada no Memorial da Mulher, inaugurado em 2000, na Praça do Soroptimismo, no bairro Hugo Langue, como parte das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Em Maringá, o Instituto de Mulheres Negras chama-se hoje Instituto Enedina Marques.
Na 63ª Semana Oficial de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, em 2006, Enedina teve seu nome inscrito no Livro do Mérito do Sistema Confea/Creas, dedicado aos profissionais falecidos que deram sua contribuição ao desenvolvimento tecnológico do país e a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Capítulo do livro “Instituto de Engenharia do Paraná – Um pioneiro a caminho do centenário / Os primeiros 50 anos”, de autoria do jornalista Luiz JÚLIO ZARUCH, editado em 2013.