Vista do alto, ou no mapa da cidade, tem a aparência de um L ou de um J ao contrário, de acordo com a perspectiva: é a rua da Glória, no bairro Centro Cívico, que começa, ou termina, na rua Fontana, e termina, ou começa, na avenida João Gualberto, diante do Colégio Estadual do Paraná.
Já foi uma das ruas mais bonitas de Curitiba. Apenas um curto quarteirão ou, com boa vontade, um e meio. Sentido duplo de tráfego no trecho que vai da curva à João Gualberto; no braço maior, sentido único em direção da rua Fontana, aquela que passa por baixo da trincheira.
Neste segundo trecho, o lado direito do sentido de tráfego foi povoado décadas passadas por mansões localizadas numa topografia mais elevada, de onde se dominava a paisagem do que hoje é o complexo do Centro Cívico. Do lado esquerdo, mais casarões, mas ao nível do chão.
Dos anos 1970 em diante, a rua da Glória passou a compor a área de influência das vias estruturais, no caso a da avenida João Gualberto, despertando a atenção e a cobiça dos empreendedores imobiliários. Outro fator combinado para sua fama foi a vizinhança com o Poder. Muito próximo estão o Palácio Iguaçu, do Governo do Estado, o Tribunal de Justiça, a Assembleia Legislativa e o Palácio 29 de Março, sede da Prefeitura.
No entorno também estão: a antiga Capela de Nossa Senhora da Glória, na João Gualberto, hoje restaurada, mas que por muito tempo acolheu as novenas de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; o Palacete dos Leões, construído pelo engenheiro Cândido de Abreu, que foi o primeiro prefeito eleito de Curitiba, hoje ocupado pelo BRDE, mas que já foi da IBM; o Memorial Árabe e o Passeio Público, além do imenso edifício Delta, que concentra vários serviços da Prefeitura.
Aos poucos, as antigas mansões foram sendo demolidas, dando lugar a altos edifícios, o que exigiu o corte gradativo dos terrenos. Algumas casas resistem, ocupadas por restaurantes, café, salão de beleza, loja de produtos auditivos, informática, de móveis para escritório e escritórios de advogados. Mas a paisagem hoje é dominada pelos altos edifícios, a começar pelo imenso Neo Superquadra, com suas múltiplas funções, e três do Poder Judiciário. E tapumes anunciam novos espigões.
Na parte menor do L ou do J ao contrário, o estrago também foi grande: ali foi subtraída do mapa, numa ação relâmpago, no silêncio da madrugada, a famosa e histórica Mansão das Rosas, cujo proprietário era dono da placa de carro número 1 em Curitiba. Um industrial pioneiro. Hoje, no lugar, estão quatro imensos blocos de apartamentos.
Passo por ali frequentemente: às vezes, a pé, cumprindo o pequeno trecho. Lembro dos meus tempos de menino, quando, com minha mãe, ia visitar uma tia, que morava na vizinha rua Marechal Hermes. A imagem daqueles atraentes casarões nunca me saiu da lembrança. Muitos anos depois, trabalhei num dos prédios alugados pela Prefeitura, ao meu tempo de diretor de Turismo de Curitiba.
A rua da Glória, hoje, além de perder a maior parte de seu cenário antigo, é um verdadeiro corredor de tráfego. Perdeu o charme, mas não o nome charmoso. Ainda bem.
A única coisa de belo que restou.