Histórias do doutor Dario

Dario Lopes dos Santos: 28 prefeitos no currículo/fotos: acervo da família

Considerado um dos mais importantes servidores municipais da história de Curitiba, como o qualificou o jornal Gazeta do Povo ao noticiar seu falecimento, em 17/6/1997, o engenheiro Dario Lopes dos Santos consolidou seu currículo de vida com competência e dedicação ao serviço público, trabalhando ao lado de 28 prefeitos da capital paranaense.

Nascido em Prudentópolis, cidade do centro-sul do Paraná, em 20/9/1924, era filho dos professores e escritores Dario Nogueira dos Santos e Pompília Lopes dos Santos, que foram membros da Academia Paranaense de Letras.

Dario Lopes dos Santos exerceu diversos cargos públicos: foi diretor do antigo Departamento de Serviço de Trânsito, atual Detran, que modernizou com a implantação das Ciretrans (circunscrições regionais), chefe da divisão de Cemitérios de Curitiba, diretor (cargo equivalente a secretário) do Departamento Rodoviário Municipal, responsável pela pavimentação de ruas de bairros distantes, chefe de gabinete de prefeitos e uma espécie de precursor da Defesa Social.

Cada vez que um grande problema ocorria em Curitiba, independente do cargo que ocupasse no momento, lá estava Dario marcando presença, ajudando pessoalmente e distribuindo tarefas com o objetivo de minorar o sofrimento das famílias atingidas e para solucionar as questões o mais rápido possível.

Um exemplo para as novas gerações de servidores, nem sempre conscientes de seu papel na sociedade.

Convivi com o engenheiro Dario Lopes dos Santos ao longo de 30 anos, desde que ingressei na Prefeitura de Curitiba, em 1967. Como jornalista, na assessoria de imprensa do prefeito Omar Sabbag (1967-1971), até sua prematura morte, aos 72 anos, vítima de câncer, quando era prefeito o engenheiro Cássio Taniguchi.

Dario desempenhou suas funções até pouco antes, assessorando, mesmo doente, o prefeito Rafael Greca, em sua primeira gestão (1993-1996).

Sempre disposto e extremamente bem-humorado, Dario é sempre lembrado com muito carinho por quem o conheceu. E foi personagem de muitas histórias, algumas delas que conto aqui:

Tempos de Chateau

Certa noite, fomos jantar no Pinheirão Campestre, um restaurante que ficava onde hoje está o supermercado Muffato, no Tarumã: o doutor Dario, o amigo Erailto Thiele, que era dentista mas exercia há muitos anos o cargo de diretor da Limpeza Urbana de Curitiba, e eu, à época, assessor de imprensa do prefeito Omar Sabbag. Final dos anos 1960.

Estava frio e Dario sugeriu um vinho. “Temos o Chateau Dargent, o Chateau Duvalier e o Chateau Lacave”, disse o garçom. As cartas de vinho, na época, eram magérrimas, limitadas; havia também o Precioso e o Jolimont, da Serra Gaúcha.

“Tem o Chateau Januário?”, perguntou Dario ao garçom. Januário era um assessor dele, no Departamento Rodoviário Municipal da Prefeitura de Curitiba, órgão encarregado da pavimentação em bairros distantes, servidor eficiente mas muito meticuloso, para muitos, um chato.

“Um momento, vou verificar”, disse o garçom, não dando bandeira. Voltou em seguida: “Infelizmente, doutor, o Chateau Januário está em falta”.

E o Dario: “Então nos traga uma cerveja, porque chatô como o Januário não existe”.

Dario com Jaime Lerner e o piloto de F1 Emerson Fittipaldi

Cemitério vertical

Dario Lopes dos Santos foi convidado, como assessor do prefeito Jaime Lerner, na primeira gestão (1971-1975) a conhecer o cemitério vertical, uma novidade que Porto Alegre estava implantando e que poderia servir de modelo para Curitiba.

E lá foi ele aos Pampas. Erailto Thiele que o acompanhou contou mais tarde:

“No cemitério, havia cinco velórios. Quatro homens e uma mulher. Em cada um, Dario assinava o nome completo e o endereço, de Curitiba. Não o próprio, mas o do assessor Januário, bem desenhado. E sempre bem-humorado, como era o seu estilo, me disse: ‘Já imaginou o viúvo, ao ler lista dos presentes, se perguntando, desconfiado, quem era esse tal de Januário que veio lá de Curitiba para o velório da minha mulher?”

Foto para jornal

Dario estava em tratamento de câncer. A Prefeitura tinha um jornal interno que, mensalmente, destacava um funcionário. Ele estava dando entrevista ao repórter, quando chegou o fotógrafo e o retratou sob os mais diversos ângulos.

– Pronto – disse ele -, já estão me tratando como espécime em extinção.

Na churrascaria

Um domingo, encontrei o doutor Dario numa churrascaria, na avenida das Torres. Viúvo, estava na companhia dos filhos, ainda em tratamento de câncer. E disse:

– Me trouxeram numa churrascaria porque estão me achando mais magro do que rato de loja de ferragens.

Ao lado de d. Mariinha, companheira de vida

Bagunça no apartamento

Dario morava no edifício Gemini, no centro de Curitiba. Estava viúvo. Dona Mariinha, sua mulher, havia falecido em acidente de trânsito. Formavam um casal muito unido.

Certo dia, ele me contou: “Acordei, fiz a barba, tomei banho, me vesti, tomei café, escovei os dentes e sai para trabalhar. Deixei tudo uma bagunça. Louça suja na pia, cama desarrumada, pijama jogado na cadeira, chinelo fora do lugar. Peguei o elevador, desci ao térreo e, antes de entrar no carro, pensei comigo:

– A Mariinha não ia gostar nada dessa bagunça.

“Voltei ao elevador, subi ao meu andar, lavei a louça, arrumei a cama, dobrei o pijama, guardei o chinelo, deixei tudo em ordem e desci.

– Só então fui trabalhar com a consciência tranquila.

Com o prefeito Saul Raiz, de quem foi chefe de gabinete

Questão de braço

Dario era chefe de gabinete do prefeito Saul Raiz (1975-1979), cargo que exigia muita dedicação. Certo dia, chegou à sua sala o professor Sebastião Ferrarini, que fora reclamar do Imposto Predial do Círculo de Estudos Bandeirantes, hoje vinculado à Pontifícia Universidade Católica do Paraná, do qual era diretor.

Ferrarini tinha apenas um braço, o esquerdo, e o estendeu para cumprimentar Dario. Este, que atendia dois telefonemas ao mesmo tempo e que precisava transferir uma das ligações, segurando os aparelhos, cumprimentou-o com o dedo mindinho. E justificou:

– Professor, hoje estou como o senhor; está me faltando braço.

 O Anjo Dario

Por Luiz Groff *

Dario Lopes dos Santos, engenheiro da Prefeitura de Curitiba, foi diretor do Cemitério Municipal.  Do seu escritório escutou gritos vindos da recepção. Foi ver do que se tratava.  Um funcionário, com uma planta do cemitério aberta sobre a mesa, atendia um   casal de idosos. A mulher gritava e chorava.

Perguntou ao funcionário o que se passava. O funcionário explicou:

– Este casal morou em Curitiba e perdeu um filho que foi enterrado aqui no Cemitério Municipal. Depois, eles foram para o Rio Grande. Agora conseguiram juntar o dinheiro para a viagem e vieram buscar os ossos. Infelizmente, o túmulo estava na parte do cemitério que foi desativada para abrir a rua Quari, e os ossos dos túmulos foram colocados numa fossa coletiva  sem identificação.

– Um momento, disse o Dario, você está olhando do lado errado.  Este lado é para cima – virou a planta -, o túmulo é do outro lado. Voltem amanhã que eu vou mandar desenterrar os ossos do seu filho.

Abraçou o pai e perguntou: a propósito, seu filho morreu com que idade?

Em 1865, o imperador do Brasil criou os batalhões dos Voluntários da Pátria para lutar na guerra do Paraguai.   As elites substituíram filhos e sobrinhos convocados por escravos que em troca eram alforriados.  Fim da Guerra em 1860, todos voltaram: vivos 35%, ossos 65%.

Na praça Tiradentes foi feito um monumento para abrigar os ossos. Infelizmente o monumento improvisado formou goteiras e deixou os ossos boiando. Os ossos foram então levados para uma sala do Cemitério Municipal, o monumento foi demolido e um novo foi projetado, mas faltou verba e jamais foi construído.

Luiz Groff/foto: Facebook

No dia seguinte Dario foi à Sala dos Voluntários e escolheu ossos  compatíveis com a idade do filho e a altura do pai, que medira com o abraço. Formou um esqueleto completo, colocou numa bela caixa de madeira e entregou aos pais  que voltaram aos pagos confortados.

Com os olhos brilhando, Dario me disse:

– Foi o último serviço que os voluntários prestaram à Pátria amada.

Foi a última vez que o encontrei, mas sempre que passo na avenida Dario Lopes dos Santos volto o olhar para o céu porque tenho certeza que o Dario virou anjo e está entre nuvens velando pelos Voluntários.

E velando por mim.

  • Luiz Groff é engenheiro civil, foi vice-presidente da Serete Engenharia, presidente da CIC – Cidade Industrial de Curitiba; é autor de peças de teatro e de livros sobre vinhos e titular da loja de vinhos In Vino Veritas.
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