O Instituto de Engenharia do Paraná (IEP) comemorou neste 6 de fevereiro seus 97 anos de fundação, com uma programação especial em seu espaço de eventos, que contou com um mini concerto de canto lírico a cargo do tenor Vittorio Scarpi, da soprano Omélia de Luca e do pianista Jeferson Ulbrich.
Como autor do livro “Instituto de Engenharia do Paraná – Um pioneiro a caminho do centenário”, editado em dois volume em 2013 e 2017, tive o prazer de ser convidado para proferir palestra nessa noite festiva, que reuniu grande número de associados da entidade, dirigentes de instituições da Engenharia e ex-presidentes do IEP, com a abertura a cargo do atual presidente, Nelson Luiz Gomez.
Permito-me, aqui, por uma questão de registro histórico, reproduzir o teor da palestra:
“-O IEP nasceu num sábado de Carnaval, tem mais de 100 anos e, dentro de três, vai comemorar seu centenário.
A frase, que beira o nonsense, não é totalmente absurda.
Explico: é que, alguns anos antes do atual IEP, existiu um outro IEP, então chamado Clube de Engenharia. Que talvez tenha sido fundado na sequência da criação da Universidade do Paraná, em 1912. Ou, quem sabe, até antes.
Confesso que minhas pesquisas ainda não desvendaram esse mistério, cuja solução reside num delicado e persistente trabalho de arqueologia histórica, para o qual também é preciso contar com um pouco de sorte.
Mas há uma certeza da existência desse antigo Clube de Engenharia pois, em determinado momento, seus pertences, e até dinheiro, foram incorporados ao patrimônio do Instituto recém-criado.
Em sua edição de 15 de janeiro de 1926, a Gazeta do Povo publicou matéria de primeira página, anunciando:
“Os novos engenheiros preparam-se para soerguer o Instituto de Engenharia do Paraná, instituição que já desempenhou notável papel no meio intelectual de nossa terra e que, não sabemos o motivo, de há muito deixou de realizar seus trabalhos”.
E mais adiante:
Ressurgirá agora o Instituto com toda a probabilidade de constituir-se definitivamente, seja porque é notável o número de engenheiros que possuímos, seja porque sentem-se os diplomados na difícil carreira a necessidade de desencadear o esforço em prol da regularização do exercício da profissão, esforço que vem se acentuando nos grandes centros do país. É a classe civil que até o presente não tem garantida a sua esfera de ação”.
Estranhamente, na edição do sábado seis de fevereiro, data da fundação, nenhum registro. Nem das dos dias seguintes.
A Curitiba de então tinha perto de 75 mil habitantes, 55 mil no perímetro urbano, e via chegar os primeiros ônibus – jardineiras abertas -, que logo tomariam o lugar dos bondes elétricos. Pelas ruas, circulavam carros particulares das marcas Buick, Oakland, Ford, Stiudbaker, Dodge e Chrysler.
Nos jornais, recheados de notícias internacionais, o destaque local era o alargamento de trecho da rua Quinze de Novembro, polêmico, pois mexia com interesses de proprietários de terrenos que seriam desapropriados. Nos anúncios, a promoção de confetes, serpentinas e da lança-perfume Vlan Pierrot, que podia ser comprada no ‘grande armazém Âncora de Ouro’.
O nosso IEP – e me permito dizer ‘nosso’ porque aqui atuei ao longo de 16 anos. Eu havia trabalhado durante 10 anos como assessor de imprensa do Crea-PR, tendo ingressado neste atraente universo da Engenharia a convite do engenheiro Rubens Curi. Ao IEP, fui trazido pelo engenheiro Ivo Mendes Lima e aqui assessorei cinco presidentes – os engenheiros Ivo Mendes Lima, Volmir Selig, Gilberto Piva, Luiz Cláudio Mehl e Jaime Sunyê Neto -, tendo tido o privilégio de escrever os dois volumes da história do Instituto – “Um pioneiro a caminho do centenário” -, lançados respectivamente em 2013 e 2017, ao tempo dos presidentes Sunyê, Cássio Ribas Macedo e Nelson Gomez.
O nosso IEP, que neste 6 de fevereiro, antevéspera de outro Carnaval, chega aos seus 97 anos oficiais, é a matriz de todas as entidades de profissionais da Engenharia paranaense, inclusive do Crea-PR.
No âmbito nacional, é a quarta entidade mais antiga, depois do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, criado ainda nos tempos do Império, em 1880; do Instituto de Engenharia de São Paulo, em 1917; e do Clube de Engenharia de Recife, que data de 1919.
Aqui, só não é mais velha do que uma: o Diretório Acadêmico de Engenharia do Paraná – o Daep -, que comemorou 100 anos em 15 de novembro de 2021.
Aliás, cinco dos acadêmicos de Engenharia de então, associaram-se aos quarenta e seis engenheiros que, sob a liderança do professor Plínio Tourinho, diretor da Faculdade, reuniram-se no salão nobre do prédio histórico da praça Santos Andrade – então chamado de Palácio da Luz, na definição do historiador Romário Martins -, ingressando pela porta da rua 15 de Novembro. A praça, na época, chamava-se Santa Teresinha e estava destinada a ser cenário de muita história. Ali, pensou-se originalmente em construir o Paço da Liberdade, primeira sede própria da Prefeitura de Curitiba, que o prefeito Cândido de Abreu, em sua segunda gestão (1913-1916), ergueu na praça Generoso Marques. E que foi inaugurada num 16 de fevereiro, há 107 anos. Ali era para estar, no espaço hoje pertencente ao Teatro Guaira, também, o Colégio Estadual do Paraná.
Noventa e sete anos atrás, o sábado seis de fevereiro registrava um dia de verão, que começou fresco: 16,5 graus centígrados às sete da manhã. No meio da tarde, a temperatura atingiu seu ponto máximo, 24,6 graus, para cair, às nove da noite, até os 15,9 graus. “Nesse dia, o céu esteve claro com 11,3 horas de brilho solar”.
Assim informou a Estação Meteorológica de Curitiba.
Registro esse fato na abertura do primeiro volume do livro “Um pioneiro a caminho do centenário” porque ao pesquisador é importante acrescentar pequenos detalhes ao entorno dos acontecimentos.
Mas, para obter esses dados, confesso que acabei participando de um roteiro que parecia envolver um segredo de Estado. Explico:
Normalmente, a previsão do tempo era publicada nos jornais. Mas justamente naquela semana, e na seguinte, talvez em função do Carnaval, os dados foram omitidos.
Resolvi, então, me informar junto ao escritório do serviço de meteorologia no Paraná. E um simples dado motivou um emaranhado burocrático.
Começou com um telefonema e seguiu por vários emails.
Até a resposta final, a solicitação passou por quase uma dezena de pessoas e inúmeras chefias. Até que, finalmente chegou a ordem para que “os dados em questão sejam fornecidos sem ônus para o solicitante”:
“Conforme solicitado pela Seoma do 8° Disme e autorizado pelo Coordenador Geral de Agrometeorologia (segue-se o nome do cidadão), informo-lhe que segundo os registros encontrados em nosso arquivo retirados do Livro M1 as informações para da Estação Meteorológica de Curitiba/PR no dia 06 de fevereiro de 1926 são…”
Outra dificuldade foram os poucos documentos encontrados nos arquivos do Instituto. Enquanto umas atas eram detalhadas com números exatos de votos nas eleições, outras traziam apenas os percentuais. Reunir os nomes que formaram nos conselhos foi um trabalho de paciente garimpo em páginas já amareladas.
Nas pesquisas, eu tinha a sensação de conversar com as figuras do passado do IEP, que aos poucos foram revelando seus feitos através de atas, relatórios, livros, revistas, notícias de jornal, projetos e ações.
Mas papéis e anotações importantes se perderam ou, talvez, estejam ainda hibernando em alguma gaveta, uma caixa de arquivo-morto à espera de que mãos e olhos mais atentos os tragam à luz.
Quem sabe outras vozes adormecidas despertem para completar a história.
Nestes 97 anos, o IEP foi presidido por 35 engenheiros. Ironicamente, seu primeiro presidente não foi aquele em que muita gente apostava: o diretor da Faculdade e líder do movimento, o professor Plínio Alves Monteiro Tourinho.
Alguns membros da assembleia propuseram o nome do engenheiro e prefeito João Moreira Garcêz que, aos 41 anos, cumpria seu segundo mandato na Prefeitura. Fora nomeado inicialmente em 1920, pelo governador Caetano Munhoz da Rocha, e reconduzido em 1924. Teria um terceiro mandato, mais curto, entre 1938 e 1940, na administração do interventor Manoel Ribas, do qual Garcez já havia sido adversário político.
Moreira Garcez, segundo os proponentes, daria uma ênfase mais destacada ao recém-criado Instituto e poderia abrir portas à entidade, não só pela condição de prefeito, mas por ter sido um dos fundadores da Universidade do Paraná, 14 anos antes. Aberta a urna, Garcez obteve 25 votos contra três dados a Plínio Tourinho e dois a João Niepce da Silva.
Plínio Tourinho, que presidiu a histórica sessão da criação do IEP, foi alçado à condição de Presidente Honorário e Benemérito, por sugestão do próprio Garcez. E só seria eleito presidente de fato na terceira eleição, para o mandato 1929-1930, cumprindo uma segunda gestão em 1938-1939. Seu filho, o general Luiz Carlos Pereira Tourinho, presidiu o IEP em oito gestões, sete das quais consecutivas, entre 1973 e 1987 e a última de 1993 a 1995.
O IEP, ao longo de sua história, foi sempre um irradiador de conhecimentos. Esta condição está em seu DNA, não bastasse ter sido fundado numa das salas da Universidade.
Aqui, neste mesmo terreno, existiu, muitas décadas atrás uma escola profissionalizante, chamada República Argentina, que havia sido transferida para outro local. É o que até agora constava nos registros históricos da entidade.
Dirigentes do Instituto, nos idos dos anos 1950, haviam reivindicado ao governo do Estado a doação de uma área maior do que uma já anteriormente obtida à construção da sede própria. Esta área, na atual avenida Barão do Serro Azul, entre ruas 13 de maio e Presidente Carlos Cavalcanti, se apresentava pequena para o que se tinha em mente. Até então, o IEP havia ocupado salas alugadas na rua Quinze de Novembro. E em 1952, o Instituto recebeu do governador Bento Munhoz da Rocha Neto, engenheiro, sócio do IEP e antigo membro da diretoria, a doação de um terreno maior, que é este da rua Emiliano Perneta.
A construção da sede, com seus 15 pavimentos, seguiu por 11 presidentes. E foi inaugurada em 1976, também num seis de fevereiro, no cinquentenário do IEP.
Há poucas semanas, ao comprar num sebo de Curitiba um livro do professor Ernani Straube, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, chamado “O Prédio do Gymnásio – 1903-1990”, que conta a história do Ginásio Paranaense, hoje Colégio Estadual do Paraná, descobri que aquela importante instituição de ensino nasceu justamente neste endereço da Emiliano Perneta, na época chamada rua Aquibadan. E que, antes dela e da Escola República Argentina, aqui funcionou um jardim da infância.
O imóvel era a residência do comendador Manoel Antônio Guimarães, o visconde de Nácar, que o governo adquiriu por nove contos de réis. Como o prédio fora construído para uso residencial, e ao longo do tempo se mostrou pequeno para sua nova finalidade, as autoridades passaram a postular a edificação de um novo prédio para o Ginásio, que acabou transferido para onde hoje está a Secretaria de Estado da Cultura, na rua Ébano Pereira, que já se chamou Borges de Macedo. A doação ao IEP foi aprovada pela lei estadual número 791, de 15 de novembro de 1951.
Como se confirma, o DNA do IEP, pelo menos o geográfico, sempre esteve ligado à área do conhecimento.
O jornalista e historiador gaúcho Eduardo Bueno, dono de uma importante obra sobre a História do Brasil, costuma dizer que “o passado está sempre mudando”.
E basta ser provocado para jogar novas luzes ao presente”.