Domingo, 18 de fevereiro de 1912, 4h15 da tarde: chega à estação ferroviária de Curitiba o trem que conduz o Batalhão do Tiro Rio Branco, depois de uma viagem no vapor “Minas Geraes”, do Rio de Janeiro a Paranaguá. O prefeito da cidade, Joaquim Pereira de Macedo, está presente para as boas-vindas. Diante da gare, uma multidão aguarda, como informou o “Diário da Tarde” no dia seguinte. Tendo à frente as bandas do Regimento de Segurança e do Exército, Macedo lidera a caravana que começa a se deslocar em direção ao centro da cidade. Todos ali estão para reverenciar um brasileiro ilustre: José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco, que morreu oito dias antes, no Rio de Janeiro, aos 67 anos.
O objetivo central da cerimônia era instalar as placas que denominavam de “Barão do Rio Branco” a conhecida rua da Liberdade. E a primeira foi logo colocada no muro de um edifício público, o Palácio do Congresso (mais tarde Palácio Rio Branco, sede da Assembleia Legislativa, hoje ocupado pela Câmara de Vereadores).
Começava a materializar-se o Decreto nº 47, aprovado em regime de urgência pela Câmara Municipal, no dia 10, o do falecimento, e sancionado pelo prefeito que, diante da aglomeração, leu o seu artigo único: “Fica desde hoje denominada de rua Barão do Rio Branco a atual rua da Liberdade, como preito de homenagem ao excelso extinto dr. José Maria da Silva Paranhos Junior”.
Ao lado do prefeito – que lembrou “o momento de verdadeira angústia que atravessa a Pátria brasileira”, como registrou o jornal “A República” – estavam Zacharias Xavier da Silva, representante do presidente do estado, Francisco Xavier da Silva, e o general Souza Aguiar, inspetor da Região Militar, convidados a “pregarem a chapa com a nova denominação”. “A República” também cita a presença do presidente eleito, Carlos Cavalcanti de Albuquerque.
Em sua oração, com frases de exagero, destacou o alcaide: “Não conheço na história da Humanidade uma morte que tanta comoção despertasse, não só entre compatriotas como nos povos estranhos. (…) Mas de todas as manifestações de pesar, a que mais comove, a que mais impressiona, é essa que é nascida da alma popular, onde não se aninha um espírito que não deplore, que não chore amargamente a perda irreparável que, por infelicidade suprema, o Brasil acaba de sofrer”.
O prefeito Joaquim Macedo contou aos presentes que, logo em seguida à divulgação da morte do “grande chanceler”, no Rio de Janeiro, recebeu em seu gabinete a visita de uma comitiva formada pelos srs. Júlio Theodorico, Newton Guimarães, capitão Joaquim Américo, Ercílio Guimarães e Manuel Carvalho de Oliveira, que reivindicaram a homenagem ao Barão dando seu nome à rua da Liberdade. Convocou a Câmara que acatou a ideia, sendo lavrado o Decreto nº 47. No Rio de Janeiro, o nome do Barão já havia sido dado à antiga avenida Central.
A segunda placa foi afixada no Grande Hotel, na esquina da rua 15 de Novembro, propriedade de João Moreira do Couto, pelo futuro governador Carlos Cavalcanti e pelo prefeito Macedo. Falou, na ocasião, de uma das janelas, o vice-presidente estadual Affonso Alves de Camargo, que lembrou o importante trabalho do Barão como ministro das Relações Exteriores e seu papel em defesa da paz e no estabelecimento dos limites entre o Brasil e países vizinhos.
Dali, a comitiva subiu em direção à rua 15 de Novembro. Cita “A República”: “As sacadas e todos os prédios de nossa rua principal estavam apinhados de gente. Pelas calçadas se espraiava a multidão, se acotovelando e obrigando a paralisação de todo o trânsito”. No “Diário da Tarde”: Pela praça Euphrásio Correia e pela rua Barão do Rio Branco estendia-se formidável molle humana, que aguardava ansiosamente a chegada dos embaixadores do luto”.
Ganhava aquela importante via de Curitiba o seu nome definitivo, o terceiro oficial, além de outros dois, informais -, com o qual também seria cenário de muita história.
A rua Barão, ligando “as praças Euphrásio Correia e Municipal” (atual Generoso Marques, onde poucos anos depois seria erguido o primeiro prédio próprio da Prefeitura) já foi chamada de Dr. Trajano, em homenagem ao médico e presidente da Câmara, “que concorreu para o alinhamento e melhoramento da rua recém-aberta”, conforme destaca o Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, de Ermelino de Leão. Em 12 de novembro de 1919, Dr. Trajano voltaria a ser nome de rua em Curitiba: a Trajano Reis, ligando a praça diante do cemitério municipal São Francisco de Paula e a praça Garibaldi, substituiu a antiga rua América (Resolução nº 11, assinada pelo prefeito João Antônio Xavier).
Em 1888, foi designada de rua da Liberdade, em referência à sanção, em 13 de maio daquele ano, pela princesa Isabel, da lei que aboliu a escravidão no Brasil, conforme registro do historiador Valério Hoerner Júnior em seu “Ruas e Histórias de Curitiba” (Artes & Textos Editoração, 1989). E assim ficou por 34 anos.
Antes, a via foi também chamada de rua da Estação, em alusão à gare ferroviária existente em seu final, que acolhia os que chegavam a bordo das rudimentares composições e dali seguiam a pé ou embarcavam nos bondes, ainda tracionados por mulas, cujos trilhos corriam pelo leito da via; ou rua do Poder, por abrigar exemplares como os palácios do Congresso (Assembleia) e do Governo (hoje sede do Museu da Imagem e do Som, e que já foi Chefatura de Polícia e Secretaria do Interior e Justiça).
Ainda antes, porém, um pequeno trecho da Barão, entre ruas 15 de Novembro e do Comércio (atual Marechal Deodoro) era conhecido como travessa Leitner, conforme descreve o Boletim Informativo nº 54 da Casa Romário Martins – “Rua da Liberdade” -, de junho de 1981), com base em depoimento do médico e historiador Júlio Estrella Moreira, que repousa entre os guardados da Casa da Memória da Fundação Cultural de Curitiba: “A Câmara, em 1882, resolveu mandar abrir a rua que, da travessa Leitner, dirigia-se para o largo da Estação. A travessa Leitner era a primeira quadra da atual rua Barão do Rio Branco, entre as ruas 15 de Novembro e Marechal Deodoro. A concorrência para a abertura dessa rua foi sustada no início do ano de 1883, por alegarem os vereadores que a Estrada de Ferro só depois de dois anos poderia estar pronta, e os recursos deveriam ser aproveitados em outros trabalhos. (…)” . O nome Leitner era uma referência à cervejaria Leitner, na esquina com a atual Marechal Deodoro. A travessa era um estreito prolongamento da rua Riachuelo.
Uma das vias mais importantes de Curitiba, na época, a Barão mereceu, muitos anos depois, em 1980, na data de aniversário da cidade, 29 de março, uma espécie de memorial descritivo afetivo do arquiteto e urbanista Jaime Lerner (três vezes prefeito de Curitiba, duas, governador do Paraná), que recebia na Câmara Municipal o título de Vulto Emérito de Curitiba. Uma verdadeira declaração de amor: falou da estação ferroviária, do relógio da estação que marcou horas importantes de sua vida, da praça em frente, do Hotel Continental, de uma banca de revistas “que despertaram em mim a magia do gibi”, da estação de bondes, “nome mais simpático que um terminal de transporte”, do Bar Palácio, do terreno onde sempre era armado o circo do palhaço Chic-Chic, das famosas rádios PRB-2 e Guairacá, com seus programas de auditório, dos edifícios públicos e das antigas casas de comércio, entre as quais a Casa Felix, de seu pai.
“Seria natural – disse ele ao discursar – que mais tarde eu viesse a dar importância a uma rua, A qualquer rua. (…) Só se atravessa uma rua quando se vive intensamente essa rua”.
A Barão do Rio Branco mudou muito no correr das décadas. Mas continua importante. E ainda guarda exemplares arquitetônicos que povoaram seu passado.
O Barão, seguramente, teria ficado impressionado se a tivesse atravessado um dia.