Saul Raiz, a difícil eleição de um prefeito

Saul Raiz (centro), com Jaime Lerner e Ney Braga em inauguração de obras em Curitiba/fotos: Prefeitura de Curitiba/acervo Júlio Zaruch

O arquiteto e urbanista Jaime Lerner encerrou seu primeiro mandato na Prefeitura de Curitiba (1971-1975) e passou o cargo ao presidente da Câmara Municipal, vereador Donato Gulin, em 25 de março de 1975. Um dia antes, o governador Jaime Canet Júnior havia enviado à Assembleia Legislativa a indicação do engenheiro Saul Raiz para a Prefeitura, em obediência às normas eleitorais então vigentes, determinadas pelos governos militares. Os prefeitos de Capitais eram nomeados mas o nome proposto deveria ser aprovado pela Assembleia. Na mensagem, Canet destacava “a larga folha de serviços prestados à causa pública” pelo escolhido.

Nos dias anteriores, muita especulação. Surgiam vários nomes ao Palácio 29 de Março: Francisco Borsari Neto, Affonso Camargo Neto, Belmiro Valverde Jobim Castor e até o próprio Jaime Lerner, que poderia continuar no cargo, como publicou o jornal “O Estado do Paraná”, em 12 de março. Falou-se também em João Mansur, ex-presidente da Assembleia Legislativa.

Lerner segue ao Rio de Janeiro para assumir a superintendência da Fundrem (coordenação da Região Metropolitana do Grande Rio), a convite do governador Floriano Faria Lima. Seu escritório seria num anexo do Palácio Guanabara. Daí ter antecipado sua saída antes da posse do sucessor.

Em meio às especulações em torno do ungido ao cargo, ainda que informalmente, a Câmara de Curitiba recebe muito bem a indicação de Raiz, mas o vereador Lauro Carvalho Chaves reclama do fato de ser a Assembleia a eleger o novo prefeito e não o legislativo municipal. E a bancada de vereadores do MDB afirma que também queria ouvir do indicado as linhas gerais de sua futura administração.

Na Assembleia, as coisas não pareciam muito fáceis. Dos 54 deputados estaduais, 29 eram da Arena (partido da situação) e 25 do MDB. Quatro arenistas estavam descontentes com a indicação: Fuad Nacli, Acciolly Neto, Luiz Roberto Soares e Wilson Fortes. Raiz precisava de 28 votos para ser eleito pela via indireta. Accioly Neto era filho do senador Accioly Filho, que estaria magoado pelo fato de a Arena paranaense, que presidia, não ter sido consultada sobre o nome cogitado.

O MDB fechou questão contra a escolha. E criou uma comissão para redigir a declaração de voto, composta pelos deputados Fidelcino Tolentino, Osvaldo Macedo, Deny Schwartz, Muggiati Filho, Adalberto Daros, Enéas Faria e Maurício Fruet. O partido de oposição não queria aprovar o nome proposto e muito menos ouvi-lo em plenário. O jornal “O Estado do Paraná”, de 7 de março, publicava em manchete de capa: “Periga o novo prefeito”. Bastavam dois votos contra dos arenistas para a rejeição.

A sabatina de Raiz foi marcada para 14 de março. A ela não compareceram os 25 deputados do MDB e sete de Arena: Accioly Neto, Basílio Zanusso, Fuad Nacli, David Federmann, Luiz Roberto Soares, Quielse Crisóstomo da Silva e Rosário Pitelli. A coisa parecia ficar ainda mais feia.

Na tribuna, dirigindo-se aos parlamentares, disse Saul: “Sinto-me em casa pois foi na Prefeitura Municipal que iniciei minha carreira como auxiliar de topógrafo, em 1949”.  Contou que, de puxador de trena nos trabalhos de rua, passou para engenheiro, engenheiro chefe e diretor de Urbanismo. Mais tarde, foi diretor geral do DER (Departamento de Estradas de Rodagem), no primeiro governo Ney Braga (1960-1965), conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e alto executivo das Indústrias Klabin.

E arrematou: “Pensei que teria o prazer de conversar com alguém do MDB e ouvir perguntas embaraçosas’.

Saul Raiz em visita a obras como prefeito em novembro de 1978

Nos dias seguintes, um deputado do MDB, Antônio Facci, convocava os companheiros de partido a rever a posição contrária, não obtendo êxito. E “O Estado do Paraná”, de 18 de março, anunciava: “Sorte de Raiz depende do MDB”.  Dois dias depois retomava o assunto, sempre em destaque: “Futuro prefeito na corda bamba”. A “Gazeta do Povo” fazia uma cobertura bem mais discreta. Em editorial, dizia que “Crise política tende a amainar’.

O “Diário do Paraná” informava que “Thomazzoni (líder da Arena e do Governo na Assembleia) fala de harmonia na bancada arenista. Em 25 de março, “O Estado” afirmava que a aprovação de Raiz “agora está mais fácil”. Mas o “Diário Popular” mancheteava em 1º de abril: “Nova crise abala a Assembleia. Saul Raiz não será aprovado”. Outros veículos de imprensa abordavam o assunto no mesmo tom.

O presidente da AL (só mais tarde sigla passou a ser Alep), Paulo Camargo, designou uma comissão de parlamentares para opinar sobre a indicação: pela Arena, Quielse Crisóstomo da Silva, Basílio Zanusso e Egon Pudell; pelo MDB, Muggiati Filho, Enéas Faria e Adalberto Daros.

Nos bastidores, o governador Jaime Canet Junior negociava a aprovação de seu prefeito. Uma pequena nota na coluna política da “Gazeta do Povo” revelava: “Confirmado como diretor técnico do DER (Departamento de Estradas de Rodagem) o dr. Tancredo Benghi, sogro do deputado Luís Roberto Soares”. Soares era um dos contrários.

A eleição foi marcada para 4 de abril, com a sessão da Assembleia devendo iniciar às 14h30. Raiz foi eleito com os exatos 28 votos necessários, 25 abstenções e um voto em branco, arenista. O “traidor’ não foi identificado. O deputado Fabiano Braga Cortes até sugeriu uma perícia no voto, mas a proposta não foi aceita. Fuad Nacli vota sim e mostra a cédula, encerrando especulações de que seria contra.

Em editorial, a “Folha de Londrina” de 6 de abril, comenta: “De tudo que aconteceu na histórica sessão – do protesto firme e coerente da oposição contra o processo de escolha à aprovação do nome de Saul Raiz por 28 votos –, nada excede em drama e bizarria o voto em aberto de pelo menos três parlamentares e a misteriosa cédula em branco. Era tema para um Shakespeare tirar do lado dramático, não do anedótico, uma história no nível de Timon de Atenas, Júlio Cesar, Macbeth ou até mesmo o Hamlet, com o autor do voto em branco desfilando, de capanga de couro, imerso em profundas divagações metafísicas e existenciais no monologo do ‘ser ou não ser”. (Capanga era uma pequena bolsa de mão para homens, muito em voga na época. E talvez o autor do “voto misterioso” fosse portador de uma. Uma alusão cifrada).

Canet, imediatamente, nomeia o novo prefeito, que toma posse dia 8 de abril, uma terça-feira: 10h30, juramento na Câmara Municipal; 11h30, transmissão do cargo no Palácio 29 de Março, no Centro Cívico. A intenção inicial era de que Saul Raiz recebesse o cargo diretamente de Jaime Lerner, no dia 25 de março, mas, com a demora, o prefeito sainte não pode esperar o desdobramento do episódio, em razão do compromisso já assumido no Rio de Janeiro.

Um dos primeiros atos do novo alcaide curitibano: a determinação para a construção de 725 casas populares, projeto orçado em 25 milhões de cruzeiros, moeda da época.

Saul Raiz foi um grande prefeito. Curitiba teve um quatriênio de muitas obras, mesmo depois da revolução urbana promovida por Jaime Lerner. Foi uma gestão de continuidade, mas com marca própria.

Saul poderia, anos depois, ter sido governador, ainda nos tempos de eleições indiretas.

Mas essa é uma história para outro dia.

 

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