Teatro do Paiol, meio século em cartaz

O Teatro do Paiol, primeiro teatro de arena do Paraná, foi o marco zero da transformação cultural de Curitiba/foto: Cido Marques/FCC

Curitiba, dezembro de 1971. A transformação de um antigo paiol de pólvora em teatro está no final. O projeto do arquiteto Abrão Assad ganha formas, materializa-se. Já é possível ver as fileiras de cadeiras dispostas em arco, subindo pelo anfiteatro. Lá embaixo, o palco, a arena. No entorno circular, as coxias, salas da futura administração e espaços para exposições.

Numa ousada atitude, timbre de sua administração que começara nove meses antes, o prefeito Jaime Lerner (1937-2021) marcou a inauguração do teatro para uma data improvável: 27 de dezembro, um dia espremido entre o Natal e o Ano Novo, época de debandada da população rumo às férias de verão.

Mas o convite é atrativo e anuncia um show fora do comum: na arena do futuro Teatro do Paiol, estarão reunidos nomes ilustres da MPB – Vinicius de Moraes, Toquinho, Marília Medaglia e o Trio Mocotó. Mesmo com a cidade quase vazia, certeza de lotação.

E a noite foi um sucesso.

O Paiol, ao tempo de depósito de explosivos/foto: Acervo JZ

Destinado a abrigar produtos inflamáveis e explosivos, que eram utilizados nas pedreiras municipais, substituindo um antigo depósito que havia explodido, o paiol de pólvora, de formato circular, estilo romano, foi construído em 1905/1906. Décadas depois, desativado, ficou esquecido no centro de uma praça do bairro Rebouças mais tarde nominada de Guido Viaro, em homenagem ao pintor e professor de artes nascido na Itália mas que fez de Curitiba sua cidade de adoção. Um dos mais importantes artistas plásticos que viveram no Paraná.

Mas, afinal, como surgiu a ideia de transformar o velho paiol de pólvora em teatro?

Em 1968, um grupo de pessoas ligadas às artes cênicas sugeriu à Prefeitura a transformação do local em um teatro. Jaime Lerner, que presidia o Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) recebeu o pedido e gostou da proposta. Mas esbarrou em dificuldades junto ao Departamento de Obras da Prefeitura, ao qual caberia a execução do projeto.

Quase ninguém imaginava que, meses depois, Lerner seria o prefeito de Curitiba, nomeado, já que as eleições diretas haviam sido extintas para cargos do executivo. Empossado em março de 1971, Lerner desengavetou o pedido e encarregou o arquiteto Abrão Assad do projeto de revitalização do prédio histórico. Em nove meses a obra estava concluída. Um teatro de arena com 220 lugares.

Pensou-se, inicialmente, em batizar o novo teatro com o nome de Sérgio Porto, em homenagem ao jornalista e teatrólogo Sérgio Marcus Rangel Porto (1923-1968), o famoso Stanislaw Ponte Preta, autor de obras como o Febeapa – Festival de Besteiras que Assola o País, coletânea de crônicas que poderia ser tranquilamente aplicada aos dias de hoje.

Mas ficou mesmo Teatro do Paiol. Simples e referência a um marco da história local.

Vinicius de Morais e Marília Medaglia no show inaugural/foto: Acervo da Casa da Memória/FCC

A inauguração do Paiol, na noite de 27 de dezembro de 1971, foi um acontecimento memorável: Vinicius “benzeu” o teatro aspergindo uísque de seu copo. E até fez música especial para a data – “Paiol de Pólvora”, em cuja letra muitos viram alusão aos tempos ditatoriais dos governos militares: “Estamos trancados no paiol de pólvora/Paralisados no paiol de pólvora/Olhos vedados no paiol de pólvora/Dentes cerrados no paiol de pólvora…” – que acabou tema da novela “O Bem Amado”, de Dias Gomes, da Globo, a primeira em cores da televisão brasileira.

A inauguração oficial do Paiol ocorreu três meses depois, em 29 de março de 1972. Naquele dia, Curitiba comemorava 279 anos de sua elevação à categoria de Vila, evento que remete à instalação da Câmara de Vereadores.

O Teatro do Paiol foi, ao longo dessas cinco décadas, palco de grandes espetáculos e conviveu com momentos menos significativos, em gestões de prefeitos medíocres. Mas, sem dúvida, um dos itens inesquecíveis de sua programação foi o projeto Parceria Impossíveis, criado em 1979, já na segunda gestão de Jaime Lerner na Prefeitura.

Lerner queria uma programação diferente, que movimentasse a cidade, e a sugestão das Parcerias partiu do publicitário Ernani Buchmann, então diretor executivo da Fundação Cultural de Curitiba. A ideia era reunir, em noites das segundas-feiras, quinzenalmente, nomes importantes de atividades opostas. Ou quase opostas. Um sucesso ao longo de três anos.

Leia também: https://www.juliozaruch.com.br/a-noite-em-que-regina-duarte-perdeu-a-fala/

Compartilhar: