“Nicodemo”, a crônica da vida impressa de Curitiba

O jornalista paranaense Adherbal Fortes de Sá Junior lança, nesta sexta-feira 13, às 18h30, o seu novo livro – “Nicodemo/Obituário sincero dos jornais de Curitiba”. Será durante o debate “AI-5 – Ação e Transgressão”, no auditório do curso de Comunicação Social da UFPR (r. Bom Jesus, 650, Juvevê). O AI-5, marca maior da ditadura militar brasileira, foi editado há exatos 56 anos, num 13 de dezembro.

Para contar o que chamou de “obituário sincero dos jornais de Curitiba”, Adherbal recorre a um personagem fictício – Nicodemo – um defunto, ‘mascote’ dos alunos que especulavam sobre sua vida pregressa, e que jaz na laje fria de uma das salas do curso de Medicina da UFPR, no interior do chamado em épocas passadas de Palácio da Luz: o prédio da praça Santos Andrade ainda sem as colunas gregas em sua fachada; a versão arquitetônica antiga era muito mais bonita.

Adherbal situa o leitor na Curitiba de antanho, fazendo um detalhado desembarque no cenário da rua Cruz Machado, onde morou, “a antiga, estreita e breve Cruz Machado” – antes chamada travessa do Thezouro -, “que o engenheiro insensível transformou numa via estrutural, maculando boa parte de sua história”. Ao longo da via estavam o Ginásio Paranaense, a secretaria da Fazenda, a praça Santos Dumont, a sinagoga, “a fábrica de colchões do Assad”, a funerária Pires. O Juizado de Menores.

Adherbal volta aos tempos das aulas de Medicina Legal do professor Napoleão Teixeira, destaca a contribuição de Nicodemo na formação de tantos doutores e, ainda tomando como ponto de partida a sua Cruz Machado, situa o leitor nos entornos do centro da cidade, da Cinelândia e sua coleção de cinemas de rua, da importância da rua Ermelino de Leão, que, a partir da avenida João Pessoa (hoje Luiz Xavier) segue morro acima até desembocar no palácio Garmatter, já transformado em Palácio São Francisco, sede do Governo, diante do belvedere da praça João Cândido. “Alargada e asfaltada, a travessa do Thezouro só piorou”. Uma bela aula de história e geografia de parte da cidade.

Adherbal fala da autocensura e dos jornais alimentados com verbas públicas. Das colunas sociais e de obituários como as mais lidas dos jornais. Do confessionário católico como um departamento de pesquisa da igreja com relação ao comportamento humano e que cria bases para o departamento de marketing agir junto aos fiéis para conquistá-los.

Reporta-se à fundação dos quatro grandes – Gazeta do Povo, O Estado do Paraná, Diário do Paraná, Última Hora -, revelando os primeiros passos de cada um e até detalhes interessantes das negociações. O livro exigiu cinco anos de pesquisas em cartórios, Delegacia Regional do Trabalho e arquivos da Junta Comercial do Paraná, entre outros endereços.

Ao mesmo tempo em que se refere a nomes importantes da imprensa internacional e seus conceitos sobre jornalismo, comunicação, de casos com o de Watergate, que derrubou Nixon, o autor oferece ao leitor um alentado cardápio de personagens locais da missão jornalística: lá estão Hildebrando de Araújo, José Ernesto Erichsen Pereira, Newton Stadler de Souza, Rodrigo de Freitas, João Dedeus Freitas Neto, “ todos os Freitas que honraram o nome da família”, Colbert Malheiros, Roberto Barrozo, pai e filho, João Feder, Benjamin Lins, Oscar Joseph de Plácido e Silva, Francisco Cunha Pereira Filho, Edmundo Lemanski, Protásio de Carvalho, José Muggiati Sobrinho, Ézio Zanello, Alceu Chichorro, Aristides Mehry, Fernando Camargo, Aramis Millarch, Percival Charquetti, Carlos Roberto Maranhão, Celina Luz, Ubaldo Siqueira, Airton Baptista, Abdo Aref Kudry, Mussa José Assis, Odone Fortes Martins, os governadores Moisés Lupion, Bento Munhoz da Rocha Neto, Ney Braga, Paulo Pimentel, Leon Peres (nomeado e cassado pelo governo militar).

Adherbal vai à primeira eleição direta para prefeito de Curitiba depois da queda da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas e a influência de uma certa Liga Eleitoral Católica na eleição de Ney Braga e a derrocada de um candidato do governo até então considerado imbatível, em 1954. Reporta-se à Guerra do Pente, que levou até tanques do Exército à rua e durou três dias; teria começado pela discussão entre um comerciante da praça Tiradentes e um sargento (ou subtenente) da Polícia Militar, que exigiu nota fiscal pela compra de um pente de míseros 15 cruzeiros (moeda da época). Adherbal também cita outra versão.

E no correr das páginas, onde exercita sua escrita leve, objetiva, bem-humorada e convidativa, Adherbal fala do nascimento e morte de jornais como Correio do Paraná, Correio de Notícias, O Estado do Paraná, Diário do Paraná (em suas duas versões), Gazeta do Povo, Voz do Paraná, Paraná Esportivo, Diário Popular, Última Hora, Diário da Tarde, O Dia, A Tarde, com citação breve de três que ainda resistem ao tempo e podem ser comprados em banca: Tribuna do Paraná, Bem Paraná (sucessor do Jornal de Curitiba e do Jornal do Estado) e Diário Indústria & Comércio do Paraná. Há um capítulo detalhado sobre a grande greve dos jornalistas em 1963. E casos policiais envolvendo gente famosa.

O livro é uma saborosa viagem pelas páginas impressas dos veículos que marcaram época antes do advento das nem sempre bem-vindas – mas inevitáveis – redes sociais.

Adherbal Fortes de Sá Junior, 85 anos, advogado e jornalista, começou sua carreira profissional no Diário do Paraná e atuou na revista Panorama, nos jornais Última Hora e O Estado do Paraná, na TV Iguaçu, onde escreveu e dirigiu, com Renato Schaitza, o famoso “Show de Jornal”, e na TV Bandeirantes. É autor de “Curitiba no Tempo do Jazz Band”, retratando uma época de esplendor da noite curitibana; “No tempo de Canet”, com Belmiro Jobim Castor e Antônio Luiz de Freitas; “Ney Braga – Tradição e Mudança na Política”. Com Paulo Vítola, escreveu os musicais “Cidade sem Portas” e “Terra de Todas as Gentes”. É membro da Academia Paranaense de Letras, cadeira nº 30, cujo patrono é Emiliano Perneta. Em 2006 recebeu o título de Vulto Emérito de Curitiba, outorgado pela Câmara Municipal.

 

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