Os canários do doutor

Havia em Curitiba, décadas passadas, um médico, bastante conceituado, que exerceu importantes cargos públicos nas áreas de governo e do ensino. Aliava competência e rigor no trato da coisa pública. Era apaixonado por canários, que colecionava. Tinha um barracão com mais de 300 exemplares, com iluminação especial. Seus cuidados com os bichinhos eram extremos: certa vez, às vésperas de um concurso, um dos canários bem cotados debateu-se na gaiola e danificou a cauda. Pois o doutor, muito hábil, fabricou uma cola à base de araruta, colou as penas, passou a ferro de engomar… e o passarinho ganhou a taça.

De outra feita, importou 15 canários muito especiais que, por conta da burocracia, ficaram retidos no aeroporto Afonso Pena. Um zeloso funcionário exigia um documento do Ministério da Agricultura e nada do papel ser liberado.

Passados alguns dias, o doutor foi ao aeroporto, argumentou que os canários iam morrer de fome e que necessitavam de alimentação especial, balanceada, etc. Comoveu o funcionário que o autorizou a levar a ração aos bichinhos.

E, assim, o doutor comparecia diariamente ao aeroporto para alimentar seus parceiros. Só que, a cada dia, levava no bolso do paletó um canário comum, que trocava pelo importado. Concluiu o processo em uma quinzena e nunca mais apareceu.

Na semana seguinte, recebeu um telefonema do responsável pelo setor do aeroporto; o homem achava estranho o sumiço do doutor depois de tanta lida com as aves.

E o médico, argumentando cansaço e muitos compromissos, disse que havia desistido dos canários. Dava muito trabalho.

Claro, os importados já residiam com ele. Belos, bem alimentados e irradiando saúde. Nunca se soube o que aconteceu com a turma dos enjeitados, cujo destino deve ter sido ouvir, a todo o instante, e por um bom tempo, o ronco dos aviões, pousando e partindo.

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