Guadalupe, o terminal mantém vivo o moto-contínuo da velha rodoviária

“Guadalupe” mostra fases da transformação urbana e humana de Curitiba/fotos: Aurélio Peluso

O jornalista Raul Guilherme Urban sempre foi um apaixonado por ônibus. Sabia tudo sobre eles, tipo de motor, carroçaria, empresa de transporte a que pertencia, itinerários. Em viagens a Santa Catarina – nasceu em Joinville -, contam os amigos, era capaz de prever até o número do ônibus que apontaria na próxima curva, em determinado horário. Uma de suas incursões preferidas era à antiga Rodoviária de Curitiba, no centro da cidade, hoje um terminal dedicado a abrigar linhas da Região Metropolitana: o Terminal Guadalupe, assim chamado porque é vizinho da igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, um dos importantes templos católicos da capital paranaense.

O espaço urbano – delimitado pelas ruas João Negrão, Pedro Ivo e Nilo Cairo – ocupado pelos seus dois principais inquilinos, chama-se hoje praça Senador Corrêa, mas, em tempos idos, foi o largo do Ventura, em função de um engenho de erva-mate de Joaquim Ventura de Almeida Torres, e largo 15 de Novembro, após a proclamação da República.

A feliz e orgulhosa motorista: início ou fim de turno?

Ao tempo da rodoviária, Urban era íntimo dos motoristas, com quem trocava ideias sobre a viagem e até auxiliava na conferência dos detalhes do roteiro.

Essa paixão pelas coisas da cidade – e pelo transporte – direcionou sua carreira profissional, que inclui passagens por jornais e emissoras de rádios de Curitiba, ao serviço público. Concursado no Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba), atuou também na Secretaria de Comunicação Social da Prefeitura e encerrou suas atividades nos serviços da Municipalidade – coisas do destino? – na Urbs (Urbanização de Curitiba), empresa encarregada de gerenciar, entre outras coisas, o transporte coletivo da cidade.

Em intervalos, trabalhou na assessoria de imprensa dos Portos de Paranaguá e Antonina e foi professor do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ao mesmo tempo, lançou livros: “Curitiba, Lares e Bares”, com histórias e estórias de botecos, e “Cabelos molhados ao sul de abril”, de poesias. É também autor de uma breve história sobre o calçadão da rua 15 de Novembro, publicada em boletim da Casa Romário Martins, e da “História do Sistema de Transporte Coletivo de Curitiba – de 1887 a 2000”, editado pela Prefeitura.

Cito essas poucas linhas acerca da trajetória de Raul Guilherme Urban, com quem trabalhei na Editora O Estado do Paraná, em anos já distantes, para chegar ao seu mais recente trabalho, que complementa um belíssimo livro de fotos em preto e branco de autoria de Aurélio Peluso, advogado e fotógrafo, que retratou o velho terminal em diferentes tempos e condições, ao longo de 120 páginas tamanho 21×17, finalizadas com capa dura. Chama-se, simplesmente, “Guadalupe”.

Nas palavras do curador da obra, o fotógrafo Juan Esteves, “Aurélio Peluso é como um observador que relata esta transformação cotidiana (…) O rapaz que aguarda para embarcar fazendo pose encostado na coluna; os usuários e usuárias lendo dentro do ônibus imersos em seus pensamentos; a feliz e orgulhosa motorista que não sabemos se está iniciando ou terminando seu dia; o garoto imerso em pensamento com seu semblante tenso. Ou seja, inúmeras configurações que Peluso encontra por seu caminho a promover a nossa curiosidade”.

Cenas do cotidiano retratadas no dia-a-dia do terminal

Em outro trecho: “O fotógrafo aqui é como um analista a buscar a compreensão da multiplicidade das coisas no mundo, onde na maioria das vezes não damos a devida atenção, até porque estamos imersos – e muitas vezes perdidos – nesse movimento cotidiano”.

Imagino a alegria de Urban ao ser convidado para a parceria, acoplando aos belos retratos em preto-e-branco de Peluso o seu conhecimento de um passado assim não tanto distante da velha rodoviária – e cuja pesquisa puxou ainda mais o cordão da história, ao lembrar os tempos do engenho de mate do século 19.

Construída na gestão do prefeito Ney Braga e inaugurada em 1958, a antiga gare cumpriu seu papel até 1972, quando assumiu seu posto a inovadora rodoferroviária, no bairro Capanema, hoje Jardim Botânico, combinando os dois modais, obra concretizada na gestão do prefeito Omar Sabbag.

Para chegar ao Terminal Guadalupe, o lugar sofreu alterações, renovadas em anos seguintes. E a história está toda lá, no livro de capa dura, pela lente de Peluso e pela pena/teclas de Urban.

(Para quem se interessar: a obra pode ser comprada pelo telefone 41.99281-9278, do Urban, com pagamento via Pix)

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