Olhar de turista

Reproduzo aqui um texto que publiquei há 27 anos no Jornal de Domingo, já extinto, e então integrante do grupo do Diário Indústria & Comércio do Paraná, onde convido o curitibano a exercitar o olhar de turista em sua cidade. É um trabalho datado, de época, mas que acredito que pode ter muita coisa de atual. Boa leitura (JZ)

Jardim Botânico, Curitiba/foto: site Prefeitura de Curitiba/Pedro Ribas

Se o Arco do Triunfo fosse em Curitiba – por exemplo, ali próximo ao Parque do Barigui, emoldurando o acesso à imensa área verde preferida dos curitibanos – você talvez passasse por ele com a mesma indiferença com que cruza o portal de Santa Felicidade, em suas incursões gastronômicas pelo velho bairro-colônia.

Na verdade, o charme dos monumentos como a Torre Eiffel, a Estátua da Liberdade, o Big-Ben e mesmo o Cristo Redentor é estarem distantes dos nossos olhos – e quanto mais as milhas se multiplicam, mais atraentes eles se tornam.

Quem sabe os parisienses nem deem muita bola àquela construção histórica para onde convergem duas dezenas de avenidas, entre elas a famosa Champs-Elysées, mas estejam curiosos para saber o que é, afinal, essa tal de Ópera de Arame plantada numa antiga pedreira, em Curitiba, ao sul das Américas, obra de um arquiteto muito criativo e competente, hoje governador do Estado.

“É verdade ~devem-se perguntar eles – que nessa cidade dita exemplo de planejamento urbano, as estações de passageiros são futuristas cilindros de vidro compostos em harmonia com a paisagem?” A vontade deve ser tomar logo um avião e ir conferir. Assim, como todos nós – ou quase todos – fazemos. Quando o bolso permite, é claro.

Não são poucos os curitibanos que nunca foram à Universidade Livre do Meio Ambiente, nunca subiram os incontáveis degraus do mirante do Passaúna, não caminharam pelas simpáticas alamedas do Bosque do Papa, não se detiveram em contemplação diante da Ópera de Arame, nem – pasmem – cruzaram uma vez a colorida e jovial Rua 24 Horas.

Para esses todos, o Jornal de Domingo faz um convite: viaje pela sua cidade, faça de conta que você é um parisiense curioso para conhecer a Ópera e os tubos do Ligeirinho. Exercite o seu olhar de turista.

Arco do Triunfo, Paris/foto: JZ

Comece pela Linha Pinhão e cumpra o roteiro das Pegadas da Memória, conhecendo a pé um pouco da cidade, a partir da Rua das Flores. Entre no recém-reinaugurado Bar Mignon, saboreie os doces da Confeitaria das Famílias ou a coalhada da Schaffer, vá ao Museu Paranaense, circule pelo Setor Histórico e visite a exposição de anjos no Museu de Arte Sacra, ao lado da Igreja da Ordem. Suba até as ruínas de São Francisco, entre pelas arcadas e, aos domingos, faça compras na Feira de Artesanato.

Conheça a Fonte da Memória, monumento que o prefeito Rafael Greca plantou na praça Garibaldi e que despertou a ira dos invejosos com dor de cotovelo, como a moça dos vidrinhos colados no pavimento da rua XV, à guisa de ‘escultura’, a executiva demitida do cargo público e o fotógrafo que implicou com a mudança da estátua do Monsenhor Celso. Esquecem que houve limpeza na paisagem e que a área toda foi valorizada. E que até o Monsenhor Celso ficou conhecido, pois passou dezenas de anos anônimo na multidão. Aliás, os conflitos são bons para difusão de conhecimentos, assim como aas guerras nos fazem aprender geografia. A turma da dor de dente não perde por esperar. Vem mais coisa por aí.

Outra sugestão de roteiro é embarcar nas jardineiras coloridas da Linha Turismo e fazer um giro de uma hora e cinquenta pelos principais pontos de atração de Curitiba. Zarpe da praça Tiradentes, passe pelo Teatro Guaira (quantas vezes você foi ao teatro?), pela Universidade Federal, onde os Natais são de muita luz, Rua 24 Horas, Teatro Paiol, Jardim Botânico (não deixe de ver a exposição  comemorativa aos 30 anos do museu botânico), o centenário Passeio Público, o Bosque do Papa, memorial da imigração polonesa, o Parque São Lourenço, com o Centro de Criatividade, a Ópera de Arame e sua rocha da fama, a Pedreira Paulo Leminski, a Universidade Livre do Meio Ambiente, que encantou Jacques Cousteau e tanta gente, o Bosque Gutierrez/Memorial Chico Mendes, o Farol do Saber Machado de Assis (como tantos outros que levam a luz do conhecimento e dá segurança aos bairros), o imenso Parque Barigui – que tem o Museu do Automóvel, centros de eventos e até helicóptero – e retorne ao centro, dando um paradinha do Alto do São Francisco.

Se der tempo, vá de carro ou tome o biarticulado na praça Carlos Gomes e conheça a primeira Rua da Cidadania, um conjunto de serviços públicos somados a loja, braço avançado da Prefeitura nos bairros.

Encerre o dia rememorando tudo o que você viu. Perceberá, então, que valeu a pena exercitar seu olhar de turista e que coisas tão próximas ganham realce quando valorizadas com os olhos e com o coração. Agora, você pode assistir ao Fantástico de consciência tranquila.

(Jornal de Domingo – 30 de julho a 5 de agosto de 1995)

 

Compartilhar: