Talento e bom humor

João Dedeus Feitas Neto: jornalista, médico, pracinha e ás do basquete/fotos: acervo Hélio de Freitas Puglieli

Um dos grandes jornalistas que o Paraná já teve: em tamanho, talento, caráter e simpatia, seja qual for a ordem. João Dedeus Freitas Neto (1922-2004) agregava a essas qualidades a condição de médico conceituado (turma de 1951 da UFPR) e de integrante da Força Expedicionária Brasileira na Itália na Segunda Guerra Mundial por 10 meses, em 1944 – foi ferido em combate e recebeu várias condecorações.

Freitas Neto foi três vezes presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná, diretor de redação de O Estado do Paraná e, durante 26 anos, diretor do Departamento de Imprensa Oficial do Estado. Curiosidade: seu irmão Wandick ocupou o mesmo cargo em São Paulo, também por um longo período.

Nascido em Curitiba uma semana antes do Natal de 1922, João Dedeus, filho de Rodrigo de Freitas, jornalista, e de Angelina de Freitas, tinha dois irmãos mais velhos também jornalistas: Valdemar Rodrigo de Freitas e Wandyck de Freitas. Começou sua carreira aos 16 anos no Diário da Tarde, passando depois ao jornal O Dia, onde seu pai foi redator-chefe.

Freitas (esq) ao lado do então governador Parigot de Souza e do seu irmão Wandyck

Em 1951 assumiu a direção de O Estado do Paraná, onde permaneceu até 1967. Atuou também na sucursal de O Globo, em Curitiba. Era um esportista e um ás do basquete, que jogou até a chegada dos oitenta. E coordenou o projeto Memória Histórica do Paraná, com depoimentos de quem fez história.

Morreu em Curitiba, em 26 de outubro de 2004, aos 81 anos, em decorrência de um câncer de próstata. Foi velado na Casa do Expedicionário, que também presidiu, e sepultado no cemitério municipal da Água Verde.

Dono de um bom humor sempre presente e de um raciocínio super-rápido, deixou histórias marcantes na vida paranaense. Aqui, três delas:

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No governo Jaime Canet Junior (1975-1979), o secretário da Fazenda do Paraná era o empresário Jaime Prosdócimo, sócio de um dos mais tradicionais magazines de Curitiba, que tinha o nome da família e era conhecido pelas vendas a prazo.

Numa determinada solenidade, logo no início do governo, Freitas foi apresentado a Prosdócimo:

– Conhece o Jaime Prosdócimo, Freitas?

E ele, de bate-pronto: “De vista, não. Só a prestação”.

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No curso de Medicina, Freitas teria uma prova com o professor João Xavier Viana, catedrático de Microbiologia. Essa, ele contou ao “Fim de Semana”, célebre suplemento semanal de O Estado do Paraná, durante longa entrevista:

“Tirei o ponto, no exame oral, e caiu Esterilização. Ele (o professor), surdo, me disse: ‘Vou lhe fazer uma pergunta que é elementar. Mas é faca de dois gumes. Se você não responder, nem continua o exame, está reprovado. Mostre-me alguma coisa que seja para esterilizar, aí”, apontando para uma mesa repleta de instrumentos e aparelhos.

“Nessa altura, você pensa imediatamente em autoclave, forno de Pasteur. Ali não tinha. E ele: ‘não diga que não tem, porque estará reprovado’. E eu não enxergava nem o forno de Pasteur nem a autoclave. Ele me pressionando. Aí me queimei e disse: ‘Não tem!’ E ele? Então está reprovado. Bico de Bunsen’. E eu: ‘Mas com álcool. Sem álcool não flamba’. Ora, o meio mais simples de esterilizar é a flambagem, é só por o negócio na chama. Eu nem me lembrei. Mas quando ele disse, e eu vi que estava vazio, fui por essa saída”.

“Foi uma coisa incrível, porque 25 anos depois eu contei o negócio para ele, ou ele morreria com a coisa na cabeça. Fomos tomar um café e ele me perguntou se, tantos anos antes, eu havia visto o bico de Bunsen. E confirmei que sim. Isso porque a turma que assistia contava: ‘O Freitas te deu o golpe’. E ele: ‘Que nada, ele viu o bico de Bunsen’”.

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Esta, ele mesmo me contou: Numa determinada manhã, quando recebia um cidadão de São Paulo em sua sala, n’O Estado, Freitas Neto teve a conversa interrompida por um gráfico, que falou sobre uma briga feia na oficina do jornal, durante a madrugada. Os tempos ainda eram das linotipos e dos clichês. Pouco depois, chegou o chefe da oficina, Antônio Vieira dos Santos, o Barriga, que fez novo relato do ocorrido e dramatizou ainda mais o episódio. Mais um pouco, e o supervisor Leopoldo Xavier Viana entrou na sala e falou de uma quase-tragédia, apimentando a história. Ante tudo isso, aumentava o espanto do forasteiro. Ao se ver novamente só com a visita, Freitas disse:

– É tudo um bando de loucos. Às vezes penso que o único normal por aqui sou eu.

Pediu licença para buscar seu maço de cigarros na outra mesa e saiu pulando numa perna só.

O sujeito quase saiu correndo.

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