Jaime Lerner, meio século depois

Jaime Lerner: arquiteto, urbanista, prefeito, governador/foto: The International Transport Forum/Flickr)

O mês de março, dedicado à mulher e ao aniversário de Curitiba, marca, neste 2021, os 50 anos da primeira posse do arquiteto e urbanista Jaime Lerner como prefeito da cidade, em 24 de março de 1971.

Naquela época, os prefeitos eram nomeados: o governador submetia o nome escolhido ao referendo da Assembleia Legislativa que normalmente o aprovava, assinando posteriormente o decreto de nomeação.

Eram regras vigentes desde o advento dos governos militares, que tomaram o poder em 1964, depondo o então presidente João Belchior Marques Goulart, que havia assumido com a renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961.

No Paraná, o governador, também nomeado pelo regime, era Haroldo Leon Peres. E a cidade deve agradecer a quem chamou sua atenção para o nome de Jaime Lerner – então um jovem de 33 anos -, que havia participado da criação do Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba), em 1966, e do qual foi presidente em 1968-1969.

A posse de Lerner representou um novo marco nos destinos da capital paranaense. Tirou Curitiba da condição de cidade comum, provinciana, e a alçou a referência em planejamento urbano no mundo inteiro. Sem ufanismos, uma simples constatação. A cidade ganhou nova dimensão, mesmo sem corrigir todas suas mazelas.

BREVE RETROSPECTO

Anos antes, com a redemocratização do país, após a queda do presidente-ditador Getúlio Vargas e de seu longo período de governo (1930-1945), Curitiba, como outras cidades, ganhou novamente o direito de eleger seu prefeito, o que não o fazia desde 1908, quando o escolhido pela população foi o coronel-vereador Joaquim Pereira de Macedo.

O primeiro eleito, com base nos novos tempos, e em obediência à Constituição de 1946, foi Ney Braga – Ney Aminthas de Barros Braga -, major do Exército, que havia desempenhado com competência a função de Chefe de Polícia, cargo hoje equivalente a Secretário de Segurança Pública, no governo de seu ex-cunhado, Bento Munhoz da Rocha Neto.

Apesar de sua gestão de mudanças (1954-1958), Ney não conseguiu eleger o sucessor; seu candidato, Felipe Aristides Simão, foi derrotado pelo general Iberê de Mattos, do velho PTB, de oposição, que havia sido superintendente regional da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina.

Depois veio Ivo Arzua Pereira, engenheiro civil, outra indicação de Ney Braga, que venceu com o slogan “Mais ação e menos conversa”. Arzua encerrou um novo ciclo. Foi o último escolhido nas urnas, na época.

O golpe de 1964 acabou com as eleições diretas nas Capitais. Paulo Pimentel, então governador, escolheu para o lugar de Arzua – que havia nomeado para continuar no cargo, mas que foi convidado logo a seguir para ser Ministro da Agricultura do presidente Costa e Silva – um engenheiro sanitarista, Omar Sabbag, que, como chefe do distrito do DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento), havia destinado muitos recursos para a canalização de rios em Curitiba. O nome de Sabbag teria sido sugerido ao governador pelo ministro de Viação e Obras Públicas, Juarez Távora.

Lerner amassando barro em visita a obras/fotos: Erony Santos

Ao compor sua equipe, basicamente com nomes de carreira na Prefeitura, Sabbag escolheu para a presidência do Ippuc o arquiteto Jaime Lerner.

Lerner, diplomado em Engenharia Civil (1960) e em Arquitetura (1964), além da participação na criação e estruturação do Ippuc, em 1965, havia composto a equipe que definiu e desenvolveu as diretrizes básicas do Plano Diretor de Curitiba.

Na Prefeitura, começou como arquiteto do Departamento de Urbanismo, em 1965, passando depois para o Ippuc, onde foi supervisor de Planejamento Físico-Territorial, até chegar a presidente em 1968-1969.

No comando do Ippuc, Lerner cercou-se de profissionais competentes para montar um pacote de projetos para a “Curitiba do futuro”, que deveriam ser tocados pelos diversos departamentos (como eram antes chamadas as secretarias municipais) da Prefeitura.

Ocorre que muitos desses projetos esbarraram na oposição do diretor de Obras Públicas, um engenheiro competente, honesto e realizador, mas turrão e de visão limitada sobre o que se pretendia para o futuro da cidade, e bastante prestigiado pelo prefeito.

Com o choque de ideias, Lerner acabou saindo da presidência do Ippuc. Dois anos depois, voltou como prefeito. Abriu as gavetas e delas retirou todos aqueles projetos que ali hibernavam. E criou outros. Montou a equipe, reuniu todos num seminário de três dias, com imersão total, no Hotel Fazenda Thalia, em Balsa Nova, região metropolitana de Curitiba. E a equipe inteira teve noção, e consciência, do que se pretendia para a cidade.

Começou uma nova era para a capital paranaense. Há meio século.

TEMPOS DE TRANSFORMAÇÕES

Na inauguração do Expresso, a largada da praça Generoso Marques

Nos quatro anos que se seguiram, a cidade viveu uma série de transformações: Física, com um novo zoneamento e uso do solo; a criação das vias estruturais, ao longo das quais se estimulou o adensamento populacional; a implantação do sistema trinário com o ônibus expresso recém-criado, que revolucionou o transporte coletivo, trafegando em canaleta exclusiva.

Ambiental, com a implantação dos grandes parques: Barigui, Barreirinha, São Lourenço e a primeira fase do parque regional do Iguaçu (já se imaginou em lugar do verde do Barigui um aglomerado de edifícios, já que ali existiam vários loteamentos?), além do mapeamento de quase 100 áreas verdes que, nos anos seguintes, seriam transformadas em parques e bosques.

O terceiro eixo de transformação foi o Cultural, da qual o primeiro passo foi a revitalização de um antigo paiol de pólvora, no Prado Velho, que virou teatro de arena – o Teatro do Paiol, inaugurado numa antevéspera de Natal, com show de Vinicius de Morais, Toquinho e Marília Medalha. E prosseguiu, nos primeiros tempos, com a definição do Setor Histórico e a criação da Fundação Cultural de Curitiba.

Já transformação Sócio-econômica, alavancada pela Cidade Industrial de Curitiba, na região Oeste, gerou milhares de empregos e se constituiu num novo parâmetro de desenvolvimento.

Os primeiros ônibus expressos na canaleta exclusiva

Outro grande destaque de sua primeira gestão foi a criação do primeiro calçadão do pais, na rua 15 de Novembro (rua das Flores), inteiramente dedicado aos pedestres. Em fins de 1972, a via foi fechada ao tráfego de maneira a acostumar a população a utilizar a pista antes dominada pelos carros. Pouco depois, nos primeiros meses de 1973, a surpresa dos caminhões despejando o petit-pavê (ou pedras portuguesas) nos primeiros dois quarteirões, entre as ruas Barão do Rio Branco e Marechal Floriano.

Em pouco mais de 72 horas, estava criado o calçadão. Para marcar o domínio do homem sobre a máquina, a Prefeitura promovia, aos sábados pela manhã, uma sessão de pintura por parte das crianças, estendendo ao longo da via uma longa bobina de papel. E a cidade começou a respirar melhor.

Na abertura de seu discurso de posse, há 50 anos, Jaime Lerner havia dito: “Uma cidade é muito mais do que um modelo de planejamento; é muito mais do que um instrumento de política econômica; é muito mais do que um núcleo de polarização social. A alma de uma cidade – a força vital que a faz respirar, progredir, existir -, reside em cada um de seus cidadãos, em cada homem que nela vive e nela esgota seu sentido de vida. E essa é a nossa premissa fundamental: a cidade – com todas as suas funções – deve estar a serviço do homem”.

Ao se despedir, em 25 de março de 1975, após breve prestação de contas, disse: “Devo, por isso, agradecer aos curitibanos pelo fato de terem assumido como suas as obras da Prefeitura. Porque essas obras são realmente suas. E porque só assim elas puderam ganhar sentido, significado e importância. Deixo a Prefeitura gratificado e feliz por esta constatação”.

Lerner seria mais duas vezes prefeito: em 1979-1982, ainda nomeado, pelo governador Ney Braga, e em 1989-1992, eleito pelo voto direto, numa memorável campanha de 12 dias.

E duas vezes governador eleito: em 1995-1998 e 1999-2002.

Aos 83 anos, dirige as empresas Jaime Lerner Arquitetos Associados, Jaime Lerner Design e o Instituto Jaime Lerner.

 

 

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Um comentário

  1. Que as novas gerações saibam reverenciar aqueles que realmente transformaram essa cidade no que é hoje.
    👏👏👏👏👏👏🙏

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