Nicolau Klüppel, o homem das águas e das histórias em polaquês

Nicolau Kluppel: o bem-humorado engenheiro, pai do sistema de parques lineares de Curitiba
Foto: Enéas Gomez

Quando era presidente do Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba), no final dos anos 1960, o arquiteto Jaime Lerner – um descendente de poloneses – contava todos os dias, na hora do cafezinho, uma piada de polaco. Como o repertório já estava acabando e não valia repetição, ele convocou os colegas para renovar o estoque.

O engenheiro Nicolau Klüppel, que fazia parte da equipe, e da plateia, nascido em Ponta Grossa, na região paranaense dos Campos Gerais, tinha sido criado próximo a uma colônia de poloneses, em Moquém, perto da vizinha Imbituva – lugar que nasceu como pouso dos tropeiros com o nome de Arraial do Cupim, foi elevado à categoria de vila como Santo Antonio de Imbituva, vinculado a Ponta Grossa, e que recebeu imigrações alemã, italiana e polonesa, ganhando autonomia no começo dos anos 1900. Ali, Nicolau observou atentamente o sotaque dos polacos que haviam aprendido a falar português com os caboclos.

Nas rodas de cafezinho do Ippuc, ao invés de contar piadas, Nicolau passou a criar histórias. Começou com a versão em polaquês de provérbios famosos: “Quem tem telhado de vidro não usa fóro paulista”, “Árvore que nasce torto melhor derubá”, “Mais vale um passarinho na mão do que nium”, “Água mole em pedra dura tanto bate que mole fica”, entre tantos outros.

Depois, vieram os causos e histórias mais longas, divertidíssimas. Como a que citava, com enredo, os nomes de ruas de Curitiba: Sandália Marinho, Padre Gostosinho, Padre Xereta, Baltazar Churrasco dos Reis, Esmagador Motta, avenida João Cu Aberto. E a do sujeito que, para construir sua casa própria queria financiamento do BHC (um produto de combate a pragas) em vez de dizer BNH (o antigo Banco Nacional da Habitação). Tinha também aquele que queria obter dados exatos de seu terreno no Departamento do Matrimônio. Queria dizer Patrimônio.

As reuniões do secretariado, nos tempos dos prefeitos Jaime Lerner e Saul Raiz, depois da parte formal, séria, terminavam com uma ata em polaquês feita e lida pelo Nicolau, ao som de muitas risadas.

Certa vez, atuando como assessor técnico do prefeito, Nicolau foi chamado para atender um senhor que tinha problemas com sua propriedade junto ao parque do Passaúna. Ninguém entendia o seu vocabulário. Nicolau atendeu-o com o mesmo sotaque e os mesmos trejeitos. Resolveu o problema e o cidadão se despediu, admirado e agradecido.

O CRIADOR DE SOLUÇÕES

Nicolau Imthom Kluppel, engenheiro civil da turma de 1955 da Universidade Federal do Paraná foi daquelas pessoas – hoje, exemplares raros – que aliaram dedicação ao trabalho a um certo toque de magia, descortinando soluções que pareciam impossíveis, mas que acabaram se transformando em verdadeiros “ovos de Colombo”.

Soluções criativas sempre foram a marca registrada de Nicolau
Foto: Enéas Gomez

Por mais de 30 anos, atuou na Prefeitura de Curitiba, primeiro no Departamento de Obras, depois no Ippuc. Foi durante várias gestões assessor técnico do prefeito – uma espécie de secretário sem pasta -, secretário municipal de Saneamento e, nos tempos de Jaime Lerner governador, diretor-presidente da Suderhsa (Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental do Paraná).

Com seu jeitão simplório e sempre bem-humorado, Nicolau é considerado o pai de todo o sistema de parques lineares que irrigam a cidade de Curitiba, fornecem ar puro, preservam o verde e garantem o lazer da população, ao mesmo tempo em que são obras de drenagem e amortecedores de enchentes. Ganhou até o apelido de “Nicolago”.

Graças à sua ideia, a Prefeitura passou, há mais de quarenta anos, a exigir que a fração dos loteamentos, normalmente doada à cidade por força de lei, fosse a pior área possível, ou seja, aquelas dos fundos de vale, beira de rios, banhadões, que acabaram se constituindo em barreiras protetoras das grandes inundações. Ao mesmo tempo, evitava-se, ali, a edificação de moradias.

Para saber como isso aconteceu, corta-se para o início de 1971. Jaime Lerner, já escolhido prefeito (na época, a definição do nome era feita pelo governador, ratificada pela Assembleia Legislativa – tempos do governo militar pós 1964), mas ainda não empossado, em uma das reuniões de montagem do plano de gestão, disse que faltava água em Curitiba. Não nos canos de abastecimento das residências e escritórios, mas um mar, um rio, um grande lago, como em cidades de cenários privilegiados. E perguntou: “Tem como fazer isso?”.

Aquilo ficou martelando na cabeça de Nicolau, que havia direcionado sua atuação para a área de saneamento. Dias depois, ele apareceu com a solução: criar parques em fundos de vale, represar as águas dos estreitos rios e fabricar lagos. Assim nasceram, já em 1973, os parques São Lourenço e Barigüi, com seus imensos espelhos d’água. O Barigüi, se não virasse parque, seria hoje uma imensa área construída, já que ali existiam quatro grandes loteamentos.

Nos anos seguintes, surgiram exemplares como os parques Tingui, Tanguá, Regional do Iguaçu, Passaúna, entre outros. Alguns locais foram prejudicados em razão de grandes invasões, à época patrocinada por políticos populistas e irresponsáveis.

Outra grande sacada de Nicolau foi a do “Lixo que não é lixo”, adotada por Lerner, convidando a população a separar os detritos orgânicos dos recicláveis. Os prefeitos de Curitiba dos últimos 20 anos abandonaram as campanhas educativas, mas boa parte da população continuou com a separação. Parece que, agora, o prefeito Rafael Greca voltou a instituir a troca de lixo por alimentos junto à população carente. Mas ainda há necessidade de uma grande campanha sobre a necessidade de cada residência, cada escritório, cada indústria separar.

A mesma filosofia dos anos de Prefeitura Nicolau adotou no comando da Suderhsa, quando nasceram soluções inteligentes como a do canal extravador do rio Iguaçu para a contenção de enchentes, ao longo de quase trinta quilômetros, dando origem a um grande parque linear. Um terceiro canal, entre o novo e o leito tradicional do rio, confinou as várzeas do Iguaçu e seus meandros foram gradativamente depurando as águas.

Nicolau Kluppel morreu em 19 de setembro de 2016, aos 86 anos. As futuras gerações devem permanentemente um preito de gratidão a esse engenheiro admirável, cujos projetos os prefeitos competentes e de visão souberam acolher e colocar em prática.

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