Livros, sebos e autógrafos

Livros autografados devem merecer um carinho especial

Não sou um rato de sebos, embora os frequente com certa regularidade em busca de informações para minhas pesquisas sobre Curitiba e o Paraná. E alguma literatura. Obras já não disponíveis nas livrarias convencionais, e que podem ser bem mais caras que uma edição do mesmo autor recém-saída do prelo. Há exemplares cujos preços beiram o absurdo, classificados como raridades. E, às vezes, o são.

Alguns sebos já têm até seções destinadas a obras novas, buscando preencher o vazio deixado por livrarias tradicionais: em Curitiba, por exemplo, não há mais filiais da Cultura, Saraiva, Fnac, Siciliano, as grandes que também já sumiram, ou estão fechando, em outras praças.

Por aqui, destacou-se, em muitas décadas, a Livraria Ghignone, cujo endereço na rua 15 de Novembro foi um ponto de encontro de famosos e anônimos em busca dos últimos lançamentos e de uma conversa com ‘seu’ José, o Dude, sempre com boas histórias para contar sobre os grandes editores com quem conviveu.

A Ghignone teve várias filiais e sua última loja, num belo exemplar arquitetônico da rua Comendador Araújo, morreu com a morte do dono, que sempre soube tocar com maestria o negócio fundado pelo pai, o velho João.

No cenário da capital paranaense, hoje, habitam poucas livrarias: a maior, a Curitiba, com presença em quase todos os shoppings e na chamada “Boca Maldita”, na avenida Luiz Xavier, conhecida como “a menor avenida do mundo”, apenas uma quadra.

Ativas, também – e para a alegria de quem ama os livros -, estão a Livraria do Chaim, que já se chamou Nova Ordem, vizinha da Reitoria da UFPR e pouso de estudantes e de intelectuais; a Livraria da Vila, no shopping Pátio Batel; A Página, no Estação; e a Arte & Letra, num casarão de estilo da rua Desembargador Mota, com café nos salões e mesas que se espalham pelo jardim. E outras, menores, segmentadas, quase escondidas na paisagem.

Um bom serviço prestado a leitores, com preço acessível, é uma espécie de sebo de livros novos chamado Top Livros, também presente em alguns shoppings, em espaços informais e provisórios. Geralmente com obras consideradas ‘encalhe’ nas editoras. Já comprei muita coisa boa ali.

Voltando aos sebos, aos quais nunca vendi um livro: preferi doá-los a escolas e a um certo projeto “Tuboteca”, estantes colocadas nas estações-tubo do ônibus Expresso, iniciativa da Prefeitura que morreu pelo descaso da própria e dos que se apoderavam permanentemente dos exemplares e nunca mais os devolviam para a leitura do próximo passageiro. No lugar de romances, biografias, obras de qualidade, foram sendo deixados, sem critério, principalmente livros sobre propaganda de neo-religiões evangélicas e uma série de porcarias.

Nos sebos, entre as mais variadas seções, é comum encontrar livros autografados pelo autor ou dados de presente com dedicatória de amigos. Acho uma descortesia isso. Se enfrentou longas filas para conseguir um autógrafo do seu autor preferido, por que se desfazer da obra? Sei que há justificativas: mudança de cidade ou até mesmo de país, morte dos familiares que formaram bibliotecas e desinteresse dos herdeiros, desocupação de espaços e até problemas financeiros. Mas não deixa de ser uma indelicadeza com quem partiu ou o ofertou.

Quando trabalhei no jornal “O Estado do Paraná”, dos meados dos anos 1960 aos dos 1970, em determinada época, como editor dos Cadernos de Domingo, onde havia espaços dedicados aos livros e à literatura, costumava receber das editoras, através do livreiro José Ghignone, exemplares com dedicatória dos autores: em minhas estantes, eternamente vivos, estão Vinicius de Morais, Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Paulo Ronai, Ernani Satyro, Lêdo Ivo, Nélida Piñon, Josué Guimarães, Maria Raja Gabaglia, Fernando Sabino, Mário Quintana, que se somam a outros, cujos autógrafos foram obtidos em longas esperas em filas de lançamentos. Já deixei orientado que, quando partir, pelo menos esses mereçam ser preservados.

Essa deselegância, e até mesmo descaso, com dedicatórias alheias, faz lembrar uma história vivida pelo escritor irlandês George Bernard Shaw (1856-1950) e contada pela jornalista e escritora novaiorquina Anne Fadiman em seu livro “Ex-libris – Confissões de uma Leitora Comum”. Ao vasculhar um sebo, ele encontrou um de seus livros com mensagem a um amigo: “Para … com afeto, George Bernard Shaw”. “George, com o orgulho ferido, comprou-o e mandou para o ingrato que se desfez de sua obra. Abaixo do que estava escrito antes, acrescentou uma linha: ‘Com renovado afeto”. E assinou.

 

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